terça-feira, 4 de novembro de 2008

Invernando

Nasci no Inverno por engano. Já era apressada e raspei-me do ventre demasiadas semanas a mais do que devia. Pura ignorância. Desconhecia esta coisa do frio, dos dias que acabam à hora do lanche, da água da Meia-Praia que fica imprópria para mergulhos, do sol que demora mais que bué a aquecer corpos mais-que-vestidos e ainda as constipações com tosses e ranhos que nunca mais acabam e a geada matinal que me entorpece os ossos.

Quer dizer, nem tudo é ruim. Há aquela parte dos cházinhos de ervas, da magia do lume na lareira, das cores, dos cheiros e da luz da Serra de Sintra em despedida de Verão, dos passeios matinais por praias desertas e da baixa lisboeta iluminada de solidão na espera de mais um Natal.

O pior é mesmo o Novembro. Emaranho-me nos cachecois e não acerto com a quantidade de camisolas. Aqueço de menos a água do saco e deixo acabar a lenha. Depois vou-me acostumando, e quando a Primavera chega, continuo a andar de capote e carapuço, a emborcar copázios de sumo de laranja e a embrulhar-me numa manta eternamente esquecida no sofá.

Até lá o melhor dos meus Invernos há-de chegar. Uma tarde inteira de sorna entre as dunas da Ponta do Medo, enroscada num já muito usado cobertor, escutando tudo o que o mar tem pra me contar, entre o sal molhado das lágrimas dele e das minhas. Tem vezes discordamos e grito com ele. E choro e blasfemo. Tem vezes chove. E caminho. De costas viradas para a ria, despertando gaivotas e desafiando o vento.

Bebo umas goladas de café directamente do termo. Sacudo o excesso de maresia e faço-me à estrada. Parece nasci de novo.

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