quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

parece o ano vai mudar

Parece é neste dia que se costuma fazer assim uma espécie de revisão da matéria dada e plano de acção a contar já a partir do amanhã de manhã ou do ainda hoje se o estado da matéria o permitir.

Foi. 2008 foi assim tipo mais ou menos que tal e coiso foi andando com dias melhores e piores e outros que nem por isso.

Aos tantos que me permitiram fazer parte das suas vidas mesmo em dias de más disposições e repentices, que cravei sem dó nem piedade e moram lá no fundinho do meu coração aquele abraço apertado e a gargalhada fácil do costume. Continuem a ter paciência e a estarem aí.

Às nossas meninas do andebol, frescas, giras, atrevidas e ganhadoras só peço que continuem a dar o vosso melhor na escola, no trabalho e no campo e, já agora, se ficassem nos primeiros lugares do campeonato até que era fixe.

Ao resto dos que fazem a Assomada acontecer todos os dias: Andreia, Xando e Zé nos treinos, Carlota e suas rabentolas e ferramentas, grandes batucadeiras e fantásticos ferro e gaita, Hélder e demais voluntários da sala de estudo, malta da percussão e todos os que uma forma ou de outra têm vestido a nossa camisola, continuem. É bom podermos contar com vocês.

Muito obrigada ao pessoal da Companhia de Actores pelo BIG voto de confiança que foi o vosso convite. Essa foi a grande surpresa do meu 2008. Aquele abraço! Estamos aí!

À malta do Ampliarte, aos meus explicandos de matemática e estatística, aos jovens que vou melgando e abraçando, que sempre se entregam de brilho no olho e que me permitem continuar a acreditar que sonhar é possível e que futuros risonhos hão-de amanhecer, muita pica, sempre!

Mana, bora lá ganhar juízo e ter vida!

Rapaziada, um dia destes a vida vai mudar e vocês vão ter mãe a sério, daquelas assim tipo normais e que chegam às 17:30h, não param de vos atazanar a cabeça e inventam programas fixes de ir passear ao shopping e fazer formações de auto-ajuda ou qualquer coisa acabada em terapia aos fins-de-semana.
Vocês são mesmo os maiores por me adorarem, por me aturarem e irem atrás de todas as minhas loucuras. Amo-vos!

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Logo hoje ...

A neblina envolve-me pelas ruas da minha cidade. Os raios de sol, difusos confundem as pedras da calçada, as gaivotas, de bicos escancarados, pairam ao sabor da ventania. Logo hoje que já estou de abalada.

Quero ir e quero ficar. É sempre assim. Quero a vida e o aconchego dos dois lugares. O mar de lá é frouxo, sem alma, sem cheiro, sem som, mas a gente, a minha gente, é quente de alma e coração, cheia de ritmo e de vida até em dias de agrura. Lagos é o regresso ao berço de paz, ao abraço demorado da minha mãe e à descoberta de sensações adormecidas e despertadas de praia em praia, ao sabor da maresia e da mudança das marés.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Hoje dia não

Amanheci cinzenta, como o céu, ou então foram as nuvens que entraram no meu tom para me não contrariar.
Redimi-me dum ano inteiro de impaciências e crises de mau feitio de braço estendido, no serviço de sangue dum hospital, deixando-me sugar para bem alheio. Há quem se confesse ...
Arrastei-me de lá com todas as memórias de dor e de esperança que o lugar já me deu. Retemperei forças num areal deserto, ao rugir do Sueste, trincando ora nozes ora chocolate negro e afogando mágoa, à falta de tinto, num pacote de sumo de maracujá, nectar da paixão sem ela.
Volto à estrada num carro que não queria meu. Os meus pés, acostumados a pedais de machimbombo deixam-no ir abaixo todas as vezes que não devia. As três horas de espera são duras de roer. O cd do Zeca Afonso em vozes alheias roda e torna a rodar e, quando, lá na inspecção, chamam o proprietário do veículo tal e ouço o meu nome, a resposta foi a mesma de quando perguntaram a quem se destinava o sangue: golpe fundo, de morte.
Sem querer abri pranto e rolei, rolei, serra acima até o nevoeiro não mais me deixar seguir até à Foia. Ouvi o silêncio na penumbra do vale e o eco do meu choro de volta.
Parece só hoje te enterrei, pai.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Por mim



Quiz desejando e parece fui capaz.
O sol voltou, de mansinho. A minha Meia-Praia encheu de tanto mar e o papagaio novo aprendeu a voar no céu de Alvor. Meio nublado. Chorando maresia. Ecoando fúria como o meu búzio de estimação.
Do céu cairam paraquedas de mil cores. Desejei ser um deles e voar por aí.
Da noite rompeu a "Lua", gemida pelo trompete do Tomaz Pimentel e a voz do Zé Manel. Kompanhêra di solidão. Testemunha de vida.
Quiz ...

sábado, 27 de dezembro de 2008

Desejando ...



Parece que também a chuva me trouxe desejo de desejar. Costuma só trazer desejo de acabar depressa ou, se a vida deixa, desejo de ir estrada fora até uma qualquer ravina de mar áspero e senti-la viva, a bater forte na chapa e no vidro da carrinha, manta quente sobre as pernas com musiquinha a acompanhar e, às vezes, quase num laivo de loucura, desejo de me enfiar no velho impermeável vermelho e ir indo, chapinhando, deixando-a lavar cabelo, corpo e alma, sentindo o vento que sempre sopra do lado de lá da Peninha, em busca de liberdade.

Tenho sede.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Natal em Lagos

Isto do Natal com frio faz parte do quadro da quadra, mas não é pra mim. Sempre venho com esperança de que o Inverno ainda não tenha chegado a Lagos, que o sol não durma tão cedo por estas bandas ou até que uma suestada valente tenha aquecido o lugar assim tipo micro-ondas a bafo de vento forte. Isto do Inverno dá-me sempre vontade de emigrar e ir d'encontro ao calor e às águas salgadas e cálidas dum lugar qualquer mais chegadinho ao equador.

Porque raio é que a tijoleira, que é bonita, é um facto, tem que revestir todos os pedaços de chão aqui de casa e permitir que o frio me entre pelos pés e suba, suba, até quase deixar de sentir todas as partes do corpo?

Sobreiluminaram a minha cidade num bom gosto algo duvidoso. Uma passagem de arcadas em tons de azul e branco qual caminho para o paraíso, calçada atapetada de vermelho e pais-natal ladrões pendurados até nas sacadas mais bonitas do centro histórico. Deserto. Frio. Abandonado.

Os sapatos de toda a gente adormeceram sobre o fogão da cozinha e acordaram recheados das coisas boas que fazem crescer sorrisos e sonhos: gulodices, alvo de setas, papagaio de papel, cartas de mimos e de amor e as cuecas e meias que, acho eu, marcam presença em todos os sapatinhos lusos.

A euforia da madrugada do 25 de Dezembro faz parte do meu imaginário infantil, a magia doce de não querer saber a verdade, o nervoso miudinho do rasgar do embrulho, o deslumbramento da descoberta e o sorriso gaiato do meu pai que, de olhos ao céu, sempre dizia: "Obrigado Menino Jesus" - nunca querendo saber quem tinham sido os ofertantes.

Também este ano mantivemos esse gozo das surpresas na manhã do dia de Natal, agora com a nostalgia da falta do seu maior entusiasta. É. Custa bué. Levei-lhe o possível, uma flor roubada num canteiro da avenida. Fechei os olhos e as lágrimas correram sem fim. Senti-o presente. Acho está cá dentro, no aconchego do meu coração.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Desejos

Parece o frio me trouxe desejo de desejar. Costuma trazer desejo de manta quente, de ronha de não escutar despertador a gritar "alvorada", de saudade e de aperto assim apertado no peito que vai subindo e fica logo abaixo da goela, a não querer deixar passar o que vem de cima.

Não é desejo de desejar embrulhos de papel bonito e laçarote reluzente. Nem desejo de faz de conta darmos todos as mãos e sermos todos amigos. Nem desejo de pegar numa agulha e coser o buraco de ozono com pontos muito muito apertadinhos.

É desejo de mim.
Parece o frio me vem lembrar do querer ser mulher.
Velas acesas sobre linho crú. Flores? Brancas. À velocidade duma brisa suave, entrefecho os olhos e desejo sopro quente de vida. Afago. Palavras. Silêncios.
Tenho frio.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Vidas...

Os dias galopam uns a seguir aos outros.
Tem vezes se atropelam: segunda ultrapassa terça e quando julgo ser quinta afinal já estou a chegar no sábado. Mas parece o Inverno vai trazer assim um tempo de calma e descanso. Chega esta madrugada, não é? Ou será também ele atrasou e este sol radioso já ou ainda é duma qualquer Primavera? Seja o que fôr eu agora tou no ir. Abalar por aí abaixo com a rapaziada, uma boa sacada de livros, desejosa de me enroscar nas dunas da minha Meia-Praia e deixar-me embalar pela música que onda a onda ele vai trazendo.

Neste tempo fugaz o tanto aconteceu. Cruzamo-nos por aí. Desconsegui travar.

O alegre Domingos morreu, a assustada Amélia quase pariu ali na rua, encantei com as estórias e as estigas do Ondjaki, entreguei-me à magia do "Perlimpimpim", descobri a costura em bonecas de trapo, degustei responsabilidade social, embaracei variância com desvio padrão e baralhei angústias com o verbo abraçar.

Quiz desejando e não fui capaz. Quiz apanhar o eléctrico amarelo e ir d'Algés ao não sei onde espreitando luzes e sonhando acordada. Quiz acordar a caminho do Cabo Espichel e ir amanhecendo campos fora, de encontro ao mar. Quiz entrar pela noite enlaçando uma morna chorada di kretcheu. Só quiz ...
Vitórias e derrotas. Tristezas e alegrias. Vidas ...

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Santa Catarina

Dias e dias saltimbancando por aí, entre vidas e estórias que já nem sei donde vieram e como me chegaram.

Festa de Santa Catarina na Outurela. É um dos momentos em que sinto viver África sem sair do meu poiso. Muitas semanas antes começam as reuniões e as suposições do que será necessário para que a próxima seja a melhor Santa Catarina de sempre. Sempre se quer melhor.

Na véspera a correria acelera. Comprar flores, comida e bebida. Conferir licenças. Montar e entregar tendas. Já mais à tardinha, preparar o andor, descascar e picar dezenas de quilos de alhos e cebolas e começar a cozinhar, arrumar centenas de cadeiras, verificar detalhes enquanto o côro dá os últimos acordes do ensaio. A noite que se quer longa parece acabar num ápice e logo logo já é hora de recomeçar o que ainda não acabou. As panelas continuam ao lume. O cheiro dos cominhos e do louro enche o ar e os óculos embaciam à entrada na cozinha. Sempre bem recebem quem chega. Cantoria, abraços e beijos entre piropos e algum agrado.

A imagem de Santa Catarina já tinha pernoitado no pavilhão. Chegou de véspera, aos ombros de jovens estudantes, que vieram dos muitos lugares de Portugal onde estudam em resposta ao cumprimento de uma tradição.

O coro dirigido pela D. Domingas fez as honras da casa e animou a missa, presidida pelo Bispo do Mindelo, D. Arlindo, acompanhado pelo Bispo de Lisboa, pelo nosso Padre Zé Manel aqui da Outurela, pelo Padre Dex, representante da comunidade angolana, pelo capelão da Marinha Portuguesa, entre outros celebrantes.

As oferendas chegaram ao altar pelas mãos de jovens do bairro, numa dança ondulante, marcada pela batucada e pelo sentimento expresso nas palavras ditas e cantadas. Ao altar levaram o que espelha a comunidade onde vivem: o tijolo e o martelo do trabalho árduo de todos os dias que traz sustento às famílias, o livro e a bola da educação dos filhos que esperançam melhor que a sua, o pano di terra e o violino como símbolo da alegria e da cultura de origem que fazem por manter viva nos respectivos seios familiares e o sempre cesto de vime repleto de fruta fresca, mandioca, feijão e maçaroca que pedem não falte em cada dia.

Um mar de gente. Mil, dois mil, quatro mil. Não sei, perdi-lhes o conto. Tantos quantos os pratos de cachupa, de feijão, de massa de milho, de canja, de alegria, de coragem e de boa vontade que passaram de mão em mão.

Manhã cedo, tarde fora, noite dentro.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Sabes?

Sabes aquele livro que quase sei de cor?
E o choro de guitarra que m’arrepia até à medula?
Sabes aquela praia onde o mar me embala em dias de dor?
E o lugar da serra onde o silêncio me fala tão mais alto?
Acho nem sonhas.
Um dia, quiçá, voaremos juntos, por aí.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Estás aí?

Luz. Dá-me luz. Não me deixes ir penumbra afora. Abraça-me. O mundo escureceu de repente. Vem. E traz-me luz. A tua luz. Um silêncio. Um olhar. As tuas mãos. Diz-me, estás aí?

domingo, 23 de novembro de 2008

Quem?




"... a gente só quer chegar a casa, encontrar o homem da gente com boa cara, dar uma esfrega e apagar, ..."

in "Navalha na Carne"

domingo, 16 de novembro de 2008

Por aí...



O bom que foi ripar umas dúzias de azeitonas no olival de quem bem nos quer, lá para os lados de Alcoentre. Mas como sempre, de fugida. O bom que foi vir por aí abaixo pela A qualquer coisa, entre vinhedos ocre e avermelhados, neste dia solarengo e luminoso, sentindo a frescura da brisa e ouvindo música bem alto, só pra mim. O bom que foi encontrá-las felizes e contentes ainda antes da hora combinada e muito antes do jogo estar ganho. O bom que foi ouvir notícias da emoção derramada no lá longe.

Aqueço as mãos na caneca de cacau. O mar marulha. O farol acorda.
Deixo-me ir ...

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

"Regresso às origens"

Hoje o dia começou ontem, lá prás sete da madrugada. Ainda geava quando largámos por aí. Foi um encruzilhar de assuntos e papeis, de conversas e decisões, de desespero e ironia, de palavrão desenfreado e ataques de riso. Até de fome e de luta contra o tempo.

documentos. compras. fotocópias. faxes. mailes. telemóveis sempre a tocar. dúvidas? horas? pesos? moradas? contactos? doenças? mais telefones a tocar. mais papéis. mais cópias. e faxes que não chegam. e as horas que passam. e compras que faltam fazer. e. e. e...

Praça de Espanha!
Andar por ali é entrar um bocadinho noutros mundos. Quase quase viajar. Mistura sadia de muito. Gentes. Cheiros. Roupas. Sons. Descansa-me deslizar por entre as tendas. Parando nas bancas. Perguntando preços e cores e tamanhos. Conversando sobre tudo e sobre nada. Deixando-me ir na música das vozes desta babilónia de regateio de ilusões.

regresso à lida. impossível parar. acho nem conseguiriamos. e mais estrada. troca volantes. apanha miúdas. recolhe miúdos. entrega-os todos.respira fundo. segue. pesa malas entre jantares ao lume. encaixa quilos de alho. e folhas de louro que resmalham. falta knorr. corre para a loja. de carregador ou de pilha? pijama ou camisa de dormir? o remédio acabou. o frasco do creme partiu. passaportes e mais passaportes. fotocopia BI's e AR's pra quem é estrangeiro em terra praticamente própria. e faltam dois. foi só ao café. já saiu do café. tá mesmo a chegar. foi. fomos.

Quando subimos o Alto da Loba em direcção a Caxias a lua rompia. Marela. Ridonda. Lá em riba, na céu. Parece queria iluminar-nos o caminho. Acho até queria era fazer a noite dia. Conseguiu.

arruma. imprime. emaila. assina. confere. rasga. escrevinha. e ri. de cansaço. de dúvida. e fecha a mala. e o saco. pega a bagagem de mão. e a malinha de primeiros socorros. olha o portátil. e os documentos. confere. conta. ata fitas. põe cadeados. e chora. de dúvida. de cansaço.

O sol já brilha. De bairro em bairro esperam-nos sorrisos abertos e fatos domingueiros de dias felizes. Chegou o dia. De bairro em bairro. Parando. Abraçando. Acenando. Indo. De bairro em bairro. Deixando esperança. Alimento de vida.

No âmbito do projecto da Associação de Solidariedade Social Assomada "Regresso às origens", com apoio e financiamento da Câmara Municipal de Oeiras, partiu hoje para o seu Cabo Verde natal, um grupo de 20 idosos, residentes no concelho de Oeiras e que não visitavam o seu país há mais de 25 anos. Vão abraçar familiares e amigos, conhecer irmãos, filhos, netos e sobrinhos, chorar sobre a campa dos pais e cumprir a promessa guardada desde o dia da partida: voltar!

- Mana, olha por eles. E Nhor Dês tambem.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Tenho frio



Acho hoje nublei. Já amanheci enevoada e todo o dia ameacei tempestade. Pluviosidade acima de qualquer média prevista para a estação. Quase quase a trovejar. Cá dentro tudo relampeja. Ao primeiro ribombar, a Santa Bárbara perde autoridade sobre o catavento e, céu afora, desenharemos caminhos directos aos sonhos. Não demores, tenho pressa de amar.

domingo, 9 de novembro de 2008

Dia de domingo???

As nossas miúdas são mesmo as máiores. E simpáticas. E giras. E alegres. Às vezes um bocado parvas. Têm o seu quê de irresponsabilidade. Tagarelas. Um bocadito atrasadas. Diabas vivas com uma bola de andebol nas mãos.

Neste fim-de-semana os três escalões - iniciadas, juvenis e juniores - estiveram em campo e todos três somaram mais uma vitória.

É um prazer do tamanho do mundo ver o pavilhão cheio delas, umas assistindo ao jogo das outras, apoiando as mais novinhas, partilhando lanches e trocando piropos na viagem de regresso.

Não sei se esse é o lado direito ou o esquerdo da minha vida. Se calhar é ainda um outro dos não sei quantos que vou descobrindo.

E da adolescência delas salto para a adolescência masculina que mora cá em casa e que começa a despertar. E mais a que já está demasiado acordada para o adiantado da hora do dia. Todos de boca aberta, na ânsia duma refeição quente que tão sofregamente vão devorar, que nem saberão contar do que se tratava.

Não nasci para fada do lar, e isto é mesmo um desabafo. Com tachos e panelas, fogões e colheres de pau faço o gosto à minha faceta de boa cozinheira de intervenção rápida, mas quanto ao resto ... acho até que quase mais valia era voltarmos à moda da idade da pedra e usar assim umas vestimentas que não carecessem de ferro de engomar.

Hoje tinha que ser o dia. A roupa foi amontoando muito para além do previsto e, praticamente já nem havia lugar onde sentar. A ponta dum lençol acenava-me de entre duas tichartes e um par de meias por enrolar, tropeçava numa manga de camisa e sentia-me ameaçada por uma rima de toalhões prestes a desabar. À minha passagem, com toda a certeza. Cedi. Montei a bela da tábua de passar e mãos à obra!

Horas e horas de combate aguerrido.
Acabei de acabar e cumpri o prometido. Meti-me na carrinha, rumei ao McDonald's de Carnaxide e deliciei-me com um enorme sundae a nadar em chocolate quase morninho e atulhado de crocantes amêndoas torradas.

Coisas de mãe de família...

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Pariçú bazu!




Não foi homem de nenhuma. Gostava de seara alheia.
Não foi patrão de ninguém. Encomendava serviço.
Não que já fosse cota. Já não ia era pra novo.
Nunca conhecera letras. Universidade da vida...
Manco duma perna só. Da outra fazia oitos.
À noite lia as estrelas. De dia descansava as vistas.
De santo não tinha nada. Também não era mau homem.

'Pariçú,
vou sentir falta dos teus lembras(?) e das tuas tretas.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

No soy digno de ti



Estava lá. Naquela rampa de calçada, que sobe da estação da Damaia em direcção à Buraca. Ali, mais ou menos a meio. Como se estivesse à espera dum tempo que nem sabe já passou. Casaco de cotim puido de muitas madrugadas de rua, boina à banda qual Che sem bazuca, mão estendida na espera de nada,olhos esbugalhados de mágoa e voz rouca de vidas perdidas em garrafas de litro.
Falava de si. Para si.
O rádio rosnava o velhinho "No soy digno de ti".
Gargalhou.
- Tu é que tens razão ó aparelho, eu não valho mesmo nem um par de pilhas novas ...

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Invernando

Nasci no Inverno por engano. Já era apressada e raspei-me do ventre demasiadas semanas a mais do que devia. Pura ignorância. Desconhecia esta coisa do frio, dos dias que acabam à hora do lanche, da água da Meia-Praia que fica imprópria para mergulhos, do sol que demora mais que bué a aquecer corpos mais-que-vestidos e ainda as constipações com tosses e ranhos que nunca mais acabam e a geada matinal que me entorpece os ossos.

Quer dizer, nem tudo é ruim. Há aquela parte dos cházinhos de ervas, da magia do lume na lareira, das cores, dos cheiros e da luz da Serra de Sintra em despedida de Verão, dos passeios matinais por praias desertas e da baixa lisboeta iluminada de solidão na espera de mais um Natal.

O pior é mesmo o Novembro. Emaranho-me nos cachecois e não acerto com a quantidade de camisolas. Aqueço de menos a água do saco e deixo acabar a lenha. Depois vou-me acostumando, e quando a Primavera chega, continuo a andar de capote e carapuço, a emborcar copázios de sumo de laranja e a embrulhar-me numa manta eternamente esquecida no sofá.

Até lá o melhor dos meus Invernos há-de chegar. Uma tarde inteira de sorna entre as dunas da Ponta do Medo, enroscada num já muito usado cobertor, escutando tudo o que o mar tem pra me contar, entre o sal molhado das lágrimas dele e das minhas. Tem vezes discordamos e grito com ele. E choro e blasfemo. Tem vezes chove. E caminho. De costas viradas para a ria, despertando gaivotas e desafiando o vento.

Bebo umas goladas de café directamente do termo. Sacudo o excesso de maresia e faço-me à estrada. Parece nasci de novo.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Inocência?

- Olá. Não me conhece?
-
És filha da Marta?
-
Não, sou sobrinha.
- Tás muito gira.
-
Tou é assim pequenota ...
- Mas vais crescer num instante. És de que ano?
-
1995. Fiz 13.
- Agora com o desporto é que vais dar um pulo grande. Vais ver, não tarda nada e já tás aí toda esbelta...
- É...
- E essas maminhas são todas tuas?
- Mais ou menos...
- É???
- ... Deixe estar que eu depois deixo-a brincar um bocadinho às avós.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

por aí ...


José Peixoto e Filipa Pais em "Dia da Tentação"

Quero tanto sem nada querer.
Desconheço o que desejo mas anseio a sua inesperada chegada.
Sem dia, sem hora e sem lugar marcados.
Se calhar, nunca chegará. Ou já passou, até, e nem dei por isso.
Deixei ir num sopro dum faz de conta que não era. E foi.
Tantas horas estou sem estar.
Ausente do mundo, voando em delírios que quase são verdades absolutas.
As minhas verdades. Ou será loucura?
Bem vindo é quem acreditar que o sonho, já dizia o poeta, comanda a vida.
À velocidade dum piscar de olhos tudo muda.
Acordar? Não sei se quero ...

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Querida televisão?

Já lá vão uma meia dúzia de meses que a televisão aqui de casa pifou. Fomos vivendo sem ela. Bem. Muito bem mesmo, achava eu. Conversávamos mais, deitávamo-nos mais cedo, partilhávamos os afazeres e, principalmente, ouvia-se muito mais música e lia-se pra lá do dobro.

Muita gente amiga teve intenção de oferecer uma televisão mas consegui ir explicando que estávamos bem assim e que no Inverno logo se veria e tal e coiso e pardais aos ninhos a malta ia achando estranho mas encaixando, até porque quando passavam por cá até sentiam que sim senhor até era uma boa opção.

Quando havia assim um desafio de futebol, daqueles que aqui a rapaziada e até eu achávamos imperdível, lá iamos jantar uns grelhados a uma daquelas tascas que têm sempre o bendito aparelho ligado à hora das refeições. Do que eu sempre reclamei, aliás, mas que agora dava imenso jeito. E depois tinham sempre os fins-de-semana e férias em Lagos, na casa da avó, para se encherem de eurosport e national geographic.

A avó, essa mesmo, é que nunca mais dormiu descansada porque isto da televisão faz muita falta numa casa e porque toma e porque deixa e que não faz sentido nenhum viver desinformado e porque estão sempre a dar programas que até eu havia de gostar quanto mais as crianças e ... por aí fora.

Hoje, logo logo de manhãzinha, dois desconhecidos entraram-me pela porta com um enorme pacote postal proveniente de Lagos. Deve ter entrado nalguma loja e não resistiu à tentação. Só faltou embrulhá-la em papel de seda com um belo dum laçarote de fita metalizada.

Quatro pares de olhos esbugalharam. As respectivas bocas escancararam de pasmo. Estão lá, como que hipnotizados, sentados no sofá, repetindo: "Que fixe!"

Não gostei. A tal mal chegou e já a sinto a mais.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008



Sempre defendi que não são os laços do sangue que fazem o parentesco, mas os do coração e da inteligência. Dói igual seja ou não sangue do nosso sangue que sangue nos faz, que feridas abre, que nos desilude. É sempre dia de festa quando um dos nossos alcança o desejado, marca aquele golo, é bem surpreendido pela vida ou o tecto não lhe cai em cima.

Devo muito às tantas pessoas diferentes que têm passado pela minha vida e que me foram deixando bocadinhos de si. Essa é a família que se foi construindo, ano após ano, fruto da amizade, da tolerância, da entreajuda e também da mutua crítica e quantas vezes da discórdia com acordo à vista.

Desejo muito do que ainda não fiz.
Continuo a acreditar que este é o caminho.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Marés


Led Zeppelin, "Stairway to heaven"

Tem dias parece quase podia voar por aí nem uma libélula tonta, curvando e contracurvando uma gambiarra esquecida num alpendre de traseiras.

Tem horas parece deixei um pé esquecido numa sapata de betão e que nem tu viesses eu ia querer abalar.

O mar vem, vai , volta, torna a ir, nem eu sonhando. Sem saber quando lá ou quando cá. Deixo-me ir, assim, que nem chuva cai do céu, desce ribeiro, e vai, vai, até uma praia, de encontro ao mar.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Vir e talvez voltar




A esta hora já o Rafa pisa terras de Moçambique e só lhe faltam dois dias para abraçar a família lá no Inhambane natal. Os corações dos que ficaram estão ainda mais apertados do que é costume. É um misto de tristeza, de alegria, de inveja, de ansiedade e de pressa de afogar saudade.

O Rafa, o Nilton, a Zé, a Edviges e tantos outros jovens chegam do lá longe para estudar em Portugal, onde julgam vir encontrar o quase paraíso. A serpente da burocracia e a cegueira dos homens atraiçoam-nos a mais das vezes. O ano lectivo há muito começou quando aterram em Lisboa, a bolsa tem vezes não chega quando devia, o frio aperta e o agasalho e o calor da família faltam, sentam-se à mesa de ninguém e ninguém pergunta como vão. Quase muito é diferente, novo e desconhecido. É sempre muito difícil não desistir do sonho que os trouxe: voltar à terra com um curso superior concluido.

Vimo-los partir levando esperança, saber e vontade de participar na construção dos seus países. Os que ficam, fortalecem a crença de que também eles vão ser capazes e que o tempo vai quase voar até à hora do embarque final.

Infelizmente muitos ficam pelo caminho e não voltam no breve programado. Acabam ficando por cá, em empregos voláteis, acreditando que estão de passagem numa terra que sabem será a dos seus filhos.


Voarás alto, lá longe.
Por cá ficarás sempre nos nossos corações.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Paulinho Pargana

Crescemos quase juntos, ruas chegadinhas, a escola velha, o cinema na rua de lá, o Abrigo mais abaixo e a Meia-praia à distância dumas poucas de remadelas na barcaça do Armindo.

Brigamos e fizemos as pazes vezes sem conta, ganhámos e perdemos contratos Páscoa sim Páscoa não, jogámos berlindes e ao mata, às estátuas, ao pisa e à verdade e consequência. Aprendi a tocar na guitarra que os pais lhe trouxeram de Espanha e começou a gostar de ler com a "Crónica dos bons malandros" que recebi de presente. Trocámos almanaques, cromos e as confidências dos primeiros amores, ouvimos os discos e as cassettes todas da moda e até os pirosos, chorámos desilusões no ombro um do outro, trouxe-lhe areia, água do mar e amigos quando a hepatite o prendeu em casa e ele contou-me a vida da rua quando a febre reumática me arrastou pra cama.

Foi com ele que os meus pais me deixaram sair à noite as primeiras vezes, juntos fomos aos festivais da cerveja de Silves e aos concertos do Parque das Freiras, foi o DJ que pôs a malta a dançar no velho Charlie Chilly da Aquazul e nas matinés do Ping-Pong, sempre me lembrando quando chegava a hora de recolher.

Vibrou quando me nasceu o primeiro filho. O Chiado ardia na televisão da sala dos meus pais quando bateu na janela e entrou casa adentro, naquele seu jeito meio desajeitado. Tirou o Lopo do berço e aconchegou-o ao peito, falando-lhe baixinho, naquele voz de falsete que lhe era tão característica.

Era Verão. A minha mãe passou a manhã a entrar e a sair. O meu pai estava triste e mudo. O almoço ficou na mesa. Até no café da esquina reinava o silêncio. Estava calor. Muito calor. Nunca lembrei quem trouxe a má nova. Parecia um eco. O Paulo morreu num acidente, ...dente, ...dente...

Enraiveci de dôr. Nunca mais consegui entrar no Vitaminas. Nem no Zapata. Demorei anos até voltar a ouvir Carlos Santana, a jogar badmington e a passar no lado dele da rua, onde há meia dúzia de dias nos tinhamos encontrado entre abraços e gargalhadas.

Já não fujo dos pais do Paulo nem finjo que não tenho saudades, faço é sempre de conta que foi de viagem e um dia destes ainda aparece por aí.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Assomada no corazon

O ano lectivo e a época desportiva estão assim a modos que de abalada. O cansaço impera. Em nós e neles. Verdade verdadinha não é bem assim. Eles estão frescos e desejosos de começar as actividades de férias e as outras que hão-de vir a seguir, logo, logo, mal chegue o novo ano lectivo e a nova época desportiva.

As cantorias, a jogatana de bola e as corridas de bicicleta iluminam de riso e alegria a Outurela inteira, num mar de criançada desocupada e com sede de muito brincar.

Estão a chegar as tardes de mergulhos nas piscinas municipais, o acampamento sonhado no Parque de Monsanto, as mangueiradas matinais pelos amigos bombeiros, os geladinhos de saco, o arraial da ludoteca, ... Com o Setembro vem o "Verão no Parque" e voltam os ateliers de tanta coisa gira de aprender a ser artista de verdade, a música que põe velhos e novos a gingar, os contadores e a magia das palavras à volta da fogueira, os malabares endiabrados, os grafitis, os raps e mais as nossas batucadeiras num finançon d'arrepio.

Acabada a festa arruma-se a tralha, forram-se os livros, leva-se a carrinha à revisão, copiam-se os horários das escolas e preparam-se as bolas e os equipamentos para a nova etapa.

E recomeçam as aulas, os casacos, as explicações, os treinos, os ensaios da dança e do teatro, as queixas dos professores, os jogos ao fim-de-semana, o canseira da adolescência, o gozo dos "contos e partes" delas todas, as idas e as vindas, o prazer duma fartura cheia de açúcar e canela na Festa de Nha Santa Catarina ou dum almoço de panela de mãe numa qualquer área de serviço Portugal fora.

E mais a parte chata dos relatórios, dos planos, das contas que têm que bater sempre certas, dos projectos com data para entregar, das reuniões que parece nunca são demais e do tempo e do dinheiro que sempre podiam crescer um poucochinho.

Quantas vezes pensamos e dizemos que deviamos ganhar juízo e ter vida de gente. Vida normal de mães de família com casa para tratar, emprego para cumprir e filhos para criar. Fazer lista de compras, ver as notícias na fofura do sofá, fazer exercício, viver numa casa arrumada, comer e deitar a horas decentes.

Mas sabemos bem que este é o sal das nossas vidas, que cada actividade é por nós intensamente vivida, que cada rasteira que a vida lhes prega é para nós novo desafio, que cada pequena conquista é sempre uma grande vitória e que cada um deles tem um lugar cativo nos nossos corações.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

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Tenho sede de vida. De afago. De calor. De emoção. De partilha.

Não sei calar. Nem esconder. Nem fingir que concordo. Faço lume com pouco fogo. E falo alto. E esbracejo. E choro. E riu. Não sou conveniente. Nem políticamente correcta. Acredito. Entrego-me. Exijo. Partilho.

Tenho pressa. Impacienta-me a inércia. Irrita-me a espera.

Quero ir ou fujo do ficar?

domingo, 15 de junho de 2008

Amar-me?



Um dia destes, por aí, alguém olhou-me nos olhos e me bradou num repente:
- És o verbo ir!
E foi.
Nunca tinha pensado nisso. Mas sim.
Estou sempre a começar. A aprender. A querer conhecer e descobrir.
A encontrar. A desejar. Numa pressa que nem eu sei porque.
Como se o mundo terminasse amanhã. E não termina?
Perco-me de mim. De cansaço. De exaustão.
A culpa carrega-me a consciência se me dou.
E fujo para não a ouvir. Para não escutar a sede de mim.
Na pressa do ir deixo escapar um grito rouco, que abafo.
Quero querer-me. Mas acho tenho medo. De mim?

quarta-feira, 16 de abril de 2008

- Diferentes ? - Não, obrigado!

Quando o Edmar e o Moite arribaram a Lagos, há já uma pipa de anos, foram um sucesso, quer no campo do Esperança, com a bola no pé quer nas ruas da cidade, onde a maior parte das pessoas nunca tinha visto um preto, uma pessoa de côr como muitos preferem ainda dizer.

Nós, os miúdos faziamos figas para dar sorte, imagem transmitida pelos bonequinhos de barro, pintados de preto e com pilinha vermelha, que as mães compravam na Feira Franca e usavam na carteira como talismã.

Quando estava no final da primária chegaram à minha e a todas as outras turmas muitos meninos vindos das antigas colónias, principalmente de Angola e a surpresa da diferença não passou dos primeiros dias. Com o tempo, os hábitos e as falas foram-se misturando e tal como o João e o Óscar passaram a saber conviver com as invernias também nós adoptámos o "tchau" e o "frango de churrasco", entre tanto.

Cresci sentindo que as diferenças jamais poderiam separarar pessoas e principalmente desvalorizá-las ou torná-las mais importantes. Ouvia falar em segregação e racismo, sabia ser verdade mas acho nem queria acreditar.

Quando no calor dum jogo de andebol alguém do público manda as nossas miúdas "Irem jogar pra terra delas" os punhos cerram e apetece sempre lembrar que a terra delas é esta mesmo, aqui nasceram e nunca conheceram outra. Mas queria acreditar que era o fogo do jogo, a raiva do perder, independentemente da côr, da estatura ou da nacionalidade da equipa adversária.

Os meus três filhos têm crescido entre culturas, partilhando canjas e cachupas, sonhos e brincadeiras, jogando futeboladas e oril com os meninos das várias latitudes que são seus companheiros de escola, de brincadeiras e de vida. O Manel refere vezes sem conta que desde que é preto tem o sonho de ir à Ilha do Fogo, terra da Nha Pépinha, uma velhinha adorável que conta estórias bonitas da terra do lá longe.

Ontem foi dia de luto. Senti a crueza da diferença pela boca de uma jovem. E de mais um. E de outro. E no silêncio de todos os adultos que o consentiram. E da escola que fingiu nem ouvir.

Doeu tanto que parece não vai passar nunca. Toda a noite ecoou o grito de raiva "Cala-te ó preto do caralho, vai aprender a ler, ...". Sei que a violência não leva a lado nenhum, mas aqui, que ninguém me lê, posso escrever bem negro "abençoados os murros que deixaram a cara branca côr de carvão. "


quarta-feira, 12 de março de 2008

A Primavera chegou!

A Primavera já aí está. Por todo o lado. É bonito sim senhor mas também é assim um bocadinho "nhãnhãnhã". Muita florzinha, muito passarito, muito mel e muito amor, calor de manhã, à noite gela que até dói, as dietas e os ginásios em alta e o meu peso a saltar da balança directamente para a consciência.

E se elas todas que até estão benzinho, salvo seja, giraças e na crista da onda passam o santo dia a beber líquidos coloridos e a comer "rações de combate" energéticas e sem calorias, pedalando bikes que as não levam a lugar nenhum e correndo sobre caminhos que rolam, rolam, sempre à mesma velocidade, eu devia, no mínimo, deixar completamente de comer e não permitir que nenhum dos meus membros parasse, seja ele inferior, superior, acho até orelhas incluidas.

Mas depois não resisto ao convívio que a refeição implica, não me vejo a discutir planos de actividades com a São, cada uma na sua bicicleta, falando alto e soltando alguma palavra maior que chocaria, certamente as ilustres e elegantes companheiras de health club. Não dava.

Ou então beber uma litrada de "drenaqualquercoisa" enquanto o belo pão se ia casando com as belas das azeitonas britadas da D. Antónia, ali mesmo à minha frente e o queijinho saloio às tiras fininhas sobre a broa ... Não é compatível.

Eu sei que a minha mãe sempre sonhou ter uma filha a sério, daquelas que crescem e ficam umas senhoras, não dizem disparates, usam sapatos de salto com saia travada, guiam com a janela fechada, pintam as unhas, enfim, umas senhoras. Mas também sei que com o tempo ela se resignou e já nem era bem feliz se eu não fosse tão trapalhona e bem disposta.

Noutro dia, quando o nosso Manel lhe contava: "Sabe avó, os meninos da minha escola que estudam com a mãe dizem que ela não é bem uma pessoa grande". A avó encolheu os ombros, apertou-o e ouvia-a dizer-lhe baixinho ao ouvido: "Olha filho, ainda bem!".




quarta-feira, 5 de março de 2008

Melhoras Sóninha!!!

A nossa Sónia lesionou-se no jogo de 6ªF, 29 de Fevereiro, frente à equipa "Colégio João de Barros".

Mas, mesmo engessada e cheia de dores apoiou e aplaudiu a vitória da nossa Assomada no jogo de sábado e, entre consultas, tem assistido aos treinos.

Hoje vai ser operada no Hospital de São Luís, em Lisboa.

Fica boa depressa Sónia.

Beijos de nós todas.

Neuza, em "Nta amabo" só pra ti.

Criança éducada

O meu Zé está quase nos dezasseis anos. É um dos treze filhos macho nascidos dum casal de são tomenses. Acha que não é muito dado às letras mas faz oitos com os números. "Grandes e piquinotes". Lê bonito. Dá asas e vida às palavras. Escreve como fala. E só fala "bodega". Fala "dáma" e esquece a menina que não é bela mas "tão biuti" que é até "fatela" no mc trabalhar em vez de desfilar. Mas isso é som que sai da boca do Zé porque na expressão, no sorriso, no brilho do olho ele fala poesia e a "dáma" que de lá solta é, no mínimo, a Cinderela.

Nunca falta ao apoio e nunca faz os trabalhos de casa. Não falta porque "o convívio é bom" e não faz os trabalhos porque eram de ontem e o Artur, que é o irmão mais velho, diz que eles têm que estudar pra serem homens de amanhã.

Tem alturas apetece explodir, ralhar e mandar escrever cinquenta vezes as mesmas palavras e resolver umas trinta equações. Mas sempre fraquejo. Eu e as professoras todas, já percebi. Ele sempre tem positiva e sempre passa de ano. A sua explicação para a proeza faz todo o sentido: "As proféssoras gostam de crianças éducadas e eu sou uma criança muito éducada..."

Depois do "convívio" dá-me um abraço demorado e tão apertado que parece até o coração muda de peito.

Quase me apetece desejar que chumbe pra ficar com ele mais um ano.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Um ano

Hoje contava madrugar na Portela, esperando-te e mais a todas as estórias que trarias nas palavras e nos silêncios dum ano inteirinho em terras africanas.

Durante estes meses escutei-te nos meus sonhos. Soletrando ditongos, tecendo longos panos coloridos, trauteando aquelas tuas músicas sem palavras de verdade e que falam a verdade toda.

Era quase Fevereiro. Encaixotámos vidas naquela última tarde. Nem eu nem tu queriamos acreditar que o dia tinha chegado. A viagem do bairro ao aeroporto entre lágrimas e abraços, no meio duma multidão de carros, buzinadelas e mensagens de quem bem nos quer.

Deste-me o livro a guardar e foste ali. Sabiamos ambas que era a deixa da despedida. Depois, fiquei lá, bebendo cafés e esperando, quase querendo acreditar que podias não ir. Voltei para casa devagar, voando contigo lá em cima, a caminho do sonho feito real.

Passou um ano. Encontraste o caminho da tua felicidade e também o amor. E o que eu mais quero é que seja para sempre. Um dia destes a malta encontra-se por aí.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Coisas boas I

Chegou carta da Fatuxa, lá do Namibe. Lá dentro trazia o calor das mãos, dos beijos e do riso da codé de Nha Nézinha. Trazia os losangos de doce de mancarra que me fazem perder o juízo e trazia os olhos vivos e o sorriso manso do Velho Serafim numa bolsinha cheia de mucua.

Faz anos, acho quase nem Fatuxa tinha nascido, estava eu acabadinha de formar e de ser mãe e fui ensinar homens feitos, nas artes de bem vender refrigerantes e outros que tais.

Era ali perto da Damaia, logo depois da última paragem do 46, depois de atravessar um bairro abarracado que hoje bem sei nomear. As aulas começavam às 18:30h, assim noitinha que o Outono por lá já andava. Saía do autocarro e ia caminhando, devagar, num misto de curiosidade e de receio do desconhecido. Por entre ruas estreitas e esgotos a céu aberto brincavam crianças. Às vezes seguiam-me . Enrolavam-se nos meus longos vestidos floridos e brincavam com o meu par de tranças. Corria e cantava com elas, como que a afugentar o medo. Com o tempo fui ganhando confiança, retribuindo as boas tardes que ia recebendo e fazendo paragens para dois dedos de conversa. Foi assim que conheci o Velho Serafim.

Sempre sentava na soleira da última porta da terceira rua. Talhando madeira. Dessas figuras que depois se vendem por aí e regateiam por tuta e meia. Eram bonitos os personagens que lhe saiam das mãos. Muito magras e enrugadas. Guardo um pastor na ponta dum pau que me prendeu o cabelo anos a fio. Comia xerém e funge porque os dentes, só dois, não chegavam pra mais. O sorriso iluminavam-lhe o rosto quando boas eram as notícias do jornal que lhe lia e soltava gargalhadas por me ver enrolar cigarros à maneira de pobre, dizia ele.

Fumava cachimbo, cheirava rapé e chupava mucua. Durante algum tempo resisti a experimentar o fruto. Achava podia ser alguma droga esquisita. Hoje, quando sinto o sabor ácido do filho de imbondeiro, entrefecho os olhos para melhor ouvir o Velho Serafim dizendo que mucua alivia tristeza e leva choro de olho sadio pra mar salgado.

 
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