quarta-feira, 16 de abril de 2008

- Diferentes ? - Não, obrigado!

Quando o Edmar e o Moite arribaram a Lagos, há já uma pipa de anos, foram um sucesso, quer no campo do Esperança, com a bola no pé quer nas ruas da cidade, onde a maior parte das pessoas nunca tinha visto um preto, uma pessoa de côr como muitos preferem ainda dizer.

Nós, os miúdos faziamos figas para dar sorte, imagem transmitida pelos bonequinhos de barro, pintados de preto e com pilinha vermelha, que as mães compravam na Feira Franca e usavam na carteira como talismã.

Quando estava no final da primária chegaram à minha e a todas as outras turmas muitos meninos vindos das antigas colónias, principalmente de Angola e a surpresa da diferença não passou dos primeiros dias. Com o tempo, os hábitos e as falas foram-se misturando e tal como o João e o Óscar passaram a saber conviver com as invernias também nós adoptámos o "tchau" e o "frango de churrasco", entre tanto.

Cresci sentindo que as diferenças jamais poderiam separarar pessoas e principalmente desvalorizá-las ou torná-las mais importantes. Ouvia falar em segregação e racismo, sabia ser verdade mas acho nem queria acreditar.

Quando no calor dum jogo de andebol alguém do público manda as nossas miúdas "Irem jogar pra terra delas" os punhos cerram e apetece sempre lembrar que a terra delas é esta mesmo, aqui nasceram e nunca conheceram outra. Mas queria acreditar que era o fogo do jogo, a raiva do perder, independentemente da côr, da estatura ou da nacionalidade da equipa adversária.

Os meus três filhos têm crescido entre culturas, partilhando canjas e cachupas, sonhos e brincadeiras, jogando futeboladas e oril com os meninos das várias latitudes que são seus companheiros de escola, de brincadeiras e de vida. O Manel refere vezes sem conta que desde que é preto tem o sonho de ir à Ilha do Fogo, terra da Nha Pépinha, uma velhinha adorável que conta estórias bonitas da terra do lá longe.

Ontem foi dia de luto. Senti a crueza da diferença pela boca de uma jovem. E de mais um. E de outro. E no silêncio de todos os adultos que o consentiram. E da escola que fingiu nem ouvir.

Doeu tanto que parece não vai passar nunca. Toda a noite ecoou o grito de raiva "Cala-te ó preto do caralho, vai aprender a ler, ...". Sei que a violência não leva a lado nenhum, mas aqui, que ninguém me lê, posso escrever bem negro "abençoados os murros que deixaram a cara branca côr de carvão. "


 
BlogBlogs.Com.Br