terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Amor

- Idade?

- 78 anos

- Estado?

- Quê?

- Se é casado ou viúvo ou solteiro?

- Casado.

- Há quanto tempo?

- Desde 2004.

- Então é recente o casamento?

- Tem 55 ano.

- Mas não disse que foi em 2004?

- Nós estávamos os dois há mais de 50 ano sem casar mas eu não queria morrer homem solteiro e disse que era para casar.

- E ela ficou toda contente?

- Não, ela nem queria casar. Então eu disse ela não casasse eu ia casar com outra porque homem morrer solteiro é coisa muito triste e então ela casou.

- Isso é que é amor...

- Isso do amor eu não percebo nada. Sei é que ela é boa companhia e muito minha amiga.

- E o senhor?

- Eu sou homem muito às direitas e nadinha de ser traquino nem 'trevido

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Bom dia Senhora Professora

Nem sempre a vida deixa os sonhos crescerem, ganharem asas e serem de verdade. Aos mais de setenta anos de idade o sonho de ir à escola chegou sem avisar. Uma mistura de nervoso miudinho, receio e alegria fê-los andar mais rápido, soltar a língua e contar lugares, momentos e desejos duma vida inteira de labuta em terra ainda alheia.

Parece até andaram mais rápido, ouviram melhor e compreenderam quase tudo o que já sabiam de cor e salteado. Coisas da vida que, afinal, foi a sua escola.

A ida à prova oral de língua portuguesa com um grupo de imigrantes idosos, que não tiveram oportunidade de aprender a ler e a escrever deixou-me tão mais rica. De saber e de coração.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Á hora da morte



E no silêncio do bairro solta-se um canto lúgubre. Arrepia de dor até numa tarde soalheira de Agosto. Àquele canto outros se juntam, anunciando a passagem da morte. Na casa da família enlutada adivinho o estender da toalha preta sobre a mesa, à volta da qual e durante uma semana, se rezarão terços. Como que na penumbra, começa a azáfama da maratona à volta do fogão e das panelas, preparando refeições para os muitos que virão despedir-se do finado e consolar a família.

Durante o funeral, em cortejo compassado, um canto polifónico de esperança em Nhor Deus e na eternidade ecoa pelas ruas que separam a igreja do cemitério. De quando em quando, como se de improviso se tratasse surge um canto chorado que fala dos laços, das vivências e da dor que existia com o ente perdido, ganhando intensidade e frequência com a proximidade da despedida.

Dando vida à hora da morte.



segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Planos de voo


Quando a Sandra chegou, no calor de Julho, trazia um franzir de testa e uma disciplina regrada de consultora experiente que senti, nos abanou a todos. Pôr pontos nos is, limar arestas, formar e programar futuros fazia parte dos seus planos. Dos nossos também. Só ainda não tínhamos as certezas do pouco depois, logo logo já a seguir.

Em determinadas alturas, entrefechando os olhos, imaginava um daqueles papagaios de papel coloridos que, em fim de Verão, gosto de lançar lá bem no final da minha Meia-Praia, sempre acreditando que o fio jamais chegará ao fim. A Sandra, como que chegava de mansinho, esticava o fio e prendia-o bem seguro num rochedo firme. Lá cima, no céu azul, o papagaio planava, mantendo a cor e o sonho mas ganhando rota, velocidade e destino.

Sandrinha, contamos contigo nos próximos voos.
 
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