sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Natal todos dias!

Agora no fim de Dezembro
Quando já quase é Natal
Parece que todos são fixes
Parece o mundo NEM TEM MAL!
Todo o pobre está quentinho
Tem comida e até presente
Mas bem antes do Carnaval
Rapa o frio, já tem fome
É enxotado. É DIFERENTE!
O people devia saber
Que isto do verbo ajudar
Não tem dia nem tem hora
É preciso é EDUCAR
Dizer à malta toda
Que recebem e que dão
Que caridade e peninha
Não são mesmo a salvação
O que vale é estar presente
Trabalhar acreditando
Que o mundo vai melhorar
E o nosso contributo VALE TANTO!
A consciência limpar
De pouco serve ou de nada
O Natal já vai passar
Vamos continuar a cravar
A melgar
A reclamar
A ACREDITAR
E tu, não pensas fazer nada?


Beijos gordos da são

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Parabéns Xé!

É só saúde!

Eu tinha aqui uma dor
E fui lá no hospital
Dei o nome, esperei, entrei
E o gajo disse:
Tu não tens nada! Tu não tás mal!
Em pé não aguentava
Pegava fogo na testa
A barriga era um barril
Ele achava era festa
Achei tava a divagar
Da febre sempre subir
Mas era tudo verdade
Tavam-me a mandar ir.
E fui andando pra fora
Insultando todos e tudo
Eu tava a ser despachado
Isto era mais qu’um insulto.
O braço tava partido
A cabeça ao meio rachada
Um olho mais que vesgo
A garganta inflamada
Todo roxo e entrapado
Do pé até ao nariz
E o gajo que é doutor diz:
- Amanhã vai trabalhar que tu tás mais que fixe!
Eu sou porreiro e bacano
Mas não sou parvo de todo
Encostei o peito ao mano
E deixei-o todo rôto.
Vai daí chamam a bófia
Que tempo leva a chegar
E o man meio assustado
Não pára de reclamar
Que está pr’ali a sofrer
E ninguém para acudir
Já passaram dez minutos
O sangue vai-se esvair
O guarda chega e olha
E farta-se até de rir:
- Tás a ver se vais de folga. Tu vai mas é bolir!

Beijo, juízo e tudo de bom!

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Lindas?!

Há bocado fui ali de fugida, à D. Deolinda, comprar castanhas assadas, romãs e maçãs de trincar. É pra ir sentindo melhor o Outono, fresco e solarengo, escorrendo sumo rosado e enfarruscando-me de negro, enquanto trabalho ouvindo Miles Davis e a labuta do bairro, que chega pela janela escancarada.

Espreitei na Quinha, só pra dar um alô e um dedo de conversa. É o cabeleireiro mais fashion cá do lugar, aliás é o único. A Quinha é uma angolana muito bem disposta que penteia, colora, despenteia, descolora, madeixa, trança, tissa, destissa, consoante a vontade e a disposição da freguesa. Sempre que lá passo fico ainda com mais certeza de que nunca serei "uma senhora de jeito", como diria a minha avó Dlim-Dlim.

Sentadas, entre Caras e Luxes, com rolos ou papelotes, cada mão enfiada numa tigela plástica muito pinki com cinco buracos para cinco dedos, os pés demolhados num alguidar que borbulha sem parar, uma escova que repucha uma melena mais difícil, a pinça que arranca pelo a pelo a uma já tão fina sobrancelha, o secador barulhento que abafa a kizombada. Elas ficam lindas, é verdade, mas fazem cá umas figuras...

Quase tenho medo daquilo tudo. E respeito. Não vá um dia destes quando lá fôr pedir pente quatro sem brusching, sem plix, sem côr, sem madeixas, sem nada além do corte puro e simples, elas deixarem descair a máquina e darem-me uma zerada para não me armar em gozona.

sábado, 27 de outubro de 2007

Bazar por aí ...

Faz tempo que de quando em quando me roubo para mim. Muitas vezes é difícil porque isto de ser mãe de três e de mais alguns e filha só de pai e mãe acarreta tempos quase sempre reclamados, mesmo quando é suposto o período ser de férias.

Fui arranjando umas artimanhas e lá me safo de quando em vez. Para estar comigo, eu e eu e juntas pensarmos na vida e gozarmos uns momentos de sossegado prazer. Foi assim que fui descobrindo praias e lugares por aí perto, daqui ou de lá, por forma a que as ausências não tenham que ser fugidas.

Tem vezes basta um pequeno-almoço à babuja da Adraga para carregar baterias mas tem outras que só isso é Água das Pedras. Então subimos serra acima pra lá da Peninha, despedimo-nos da lua em dunas vicentinas ou ouvimos o silêncio na penumbra de cedros que resmalham baixinho.

Nem sempre as neuras se vão nestas andanças. Mas sempre se desamarrotam.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

barIMbar

Eramos todos jovens, alegres, giros e cheios de vontade de mudar o mundo.

O Barimbar juntou-nos. A música, o ambiente solto, o Zé Rijo fizeram o resto. No Verão de 1983 a vida de muitos de nós girou à volta do Barimbar, lá em Lagos, na esquina da Rua dos Quarteis. O painel de azulejos, circular, lá continua. A música agora é que é outra...

Aqueles meses de colagens de cartazes Algarve fora sempre à boleia, de longas noitadas de cantigas e conversas, de promessas de amor eternas, do soalho a ranger sob os nossos pés descalços lá na casa em frente à igreja, das orelhas furadas com agulha e pedras de gelo, da sangria e do Português Suave sem filtro, da cesta das compras da Lena e do seu mau feitio, do colete do Sim-Sim, das maluqueiras do Dário, da simpatia do Pedro da porta (http://www.afinador.blogspot.com/) , das camas desfeitas de ninguém, da chegada do postal do pai do Mário "Há Barimbar, há ir e há voltar", das fotografias a preto e branco reveladas numa casa de banho da Reboleira, dos vestidos indianos e dos cabelos e brincos ao vento, dos beijos nos lábios dos muito amigos, das saladas coloridas, da Renault 4L cor-de-laranja com muitos ao molhe lá dentro, dos desenhos nas mesas, dos jantares no Vila, das partidas de comboio e das lágrimas e abraços nas despedidas, fará sempre parte das boas coisas que nos aconteceram.

Para muitos de nós foi o ano de viragem. Das primeiras férias à solta, da entrada para a universidade, da profissionalização na música, da saída de casa dos pais para quem não era da cidade grande. No CascaisJazz logo a seguir combinámos todos no Estoril. Em cada estação entravam mais uns quantos. Foi uma festa. Depois os encontros foram rareando e o acaso foi-nos cruzando em Festas do Avante, no Hot Club, em espectáculos mais jazzísticos, nos anos do Paleka, por aí.

Vamos tendo notícias uns dos outros por uns e outros e é fixe sentir que apesar de já estarmos todos cotas, com uns quilos a mais ou muitos cabelos a menos, continuamos a lutar por sonhos há muito desenhados.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Mundo mix

Esperando a miudagem chegar pra caminharmos pros treinos, aproveito o sol gostoso de fim de dia, sentada num degrau do quintal, cantarolando e comendo amendoins.

- Hei, tu comes mancarra (amendoim)?
- Como. Queres?
- E não te enjoa doce de côco, pois não?
- Não. Queres alcagoitas?
- Tu deves ser de Cabo Verde.
- Não, sou tuga, mas lá do Algarve.
- É mentira. Comes mancarra, fazes cachupa, mandas bocas em crioulo...
- Não eu sou mesmo de cá. Tuga, tuga.
- Deves ser da Guiné - arrisca o Délcio.
- Eu nasci lá no Algarve e depois vim pra cá e pronto.
- Tás a mentir, não tás?
- Olha lá bem pra mim, de que côr é que eu sou? - não é que isso signifique alguma coisa. Mas aí a minha rosácea de estimação traiu-me.
- És vermelha. - diz o Luís
- Aí, a São é d' América, é pele vermelha!

A Gália e eu conhecemo-nos há vários anos, nas escadas do prédio onde morávamos. Ficámos amigas. É moldava, toca maravilhosamente violino e ensina meninos a tocar e, principalmente, a gostar muito de música. Dizia-me ela:

- Padruska (amiga), acho tu não és bem portuguesa.
- Ai é?
- Ontem eu te perguntei a que horas almoçavas e tu me respondestes que nem sabias, que era quando desse jeito ou quando a malta tivesse fome.
- E isso é não ser portuguesa?
- Isso é ser um bocadinho russa. Os portugueses sempre têm hora muito certa para tomar as suas comidas.

São bocadinhos de vocês que guardo no coração. Beijos gordos.

sábado, 13 de outubro de 2007

Contar parte

Nha Nézinha gostava de sentar junto do povo jovem e de contar parte. Parte lá da terra do lá longe, parte de bandido fugido de bófia e caçado por mais bandido que a si, parte de quando Zé Mindelo a tinha ido pedir ao pai e com o nervo bebeu grogue demais e chorou de grosso e muita parte com filhinhos pequenos presos à saia e à chupa de mamã.

Gostava de agradar Fatuxa, filha codé (mais nova), única em casa cuidando. Embarrigara de Fatuxa já mulher partida pra velha e tivera choro grande de desgosto. Vergonha de mulher parida avó de netos homens feitos.

Nasceu de olho aberto e goela escancarada a cachopa. Havera de ser mulher pra vida dissera doutora que a trouxe pro mundo. E era. Professora diplomada, dessas de ensinar a ler e a escrever criança pequena e grandes também.

Até mamã já assinava o nome e lia cartas chegadas do lá longe. Mas o estado nunca mais mandava postal dizendo que tinha escola pra ela ensinar meninos. Então ela ia no shopping e ganhava arrumando tabuleiro de comida. Depois voltava e nha Nézinha lá estava, sentada, contando parte. Fatuxa ia só num instante comer bucha e trazer viola. Encostava na perna da mãe e tocava as mornas mais choradas do bairro.

Um dia, nha Nézinha não acordou mais. Fatuxa fez a trouxa, pegou na viola e foi pro lá longe. Era quase Fevereiro. Lá no Namibe ela foi ensinar. E contar bué parte também.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Porquê o meu silêncio?

Mais ou menos a meio da manhã chegava. Às vezes, quando vinha.

Durante anos foi assim. Outonos, Invernos e Primaveras. No Verão as férias levavam-nos para lá dos muros da escola e perdia-nos e perdiamos-lhe os rastos.

Nunca aprendeu a ler ou a escrever, a jogar à rabia ou a saltar ao eixo. Contava estórias que achávamos estranhas mas quase sempre o ouviamos. Nem sempre com carinho, vezes com pontas de troça ou de desdém. Era um mundo de ilusão numa cabeça que se recusava a crescer, pensava eu.

Passaram muitos anos. Li num jornal. Pedofilia. Não era ele quem lá estava, mas todos eles tinham o seu rosto. Parece o ouvia contar, sentado no banco ao lado do portão da escola velha. A voz fanhosa enaltecendo as tropelias noite fora Praia da Batata dentro. Chamava-lhes chapagem. Ria-se. Falava em dinheiro e em roupa nova oferecida por cámones panascas. E fazia "Schschiu!!" pra não contarmos a ninguém

Achei era estória. Não contei nunca.

Afinal devia ser tudo verdade. E eu devia ter falado.

Bem alto!

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

A caminho dos treinos

As viagens de ida e regresso para os treinos de andebol voltaram à ordem do dia. As inscrições para as boleias começam às segundas e terminam quando a carrinha está cheia ou não consegue levar nem mais um, magrinho que seja. Às vezes há umas excepções como quando a Mi, única menina, chega esbaforida, à hora da partida, sem marcação e, com os olhos muito esbugalhados me contrapõe:

"E vais-me deixar aqui na rua, de noite, sózinha e a chover?"

No percurso falamos de tudo e cantamos quase tudo o que sabemos. Distribuem queixas e tecem elogios às professoras e aos trabalhos de casa ainda por fazer, desenham e decidem tácticas de jogo, preveem vitórias com grandes cabazadas e arremessam perguntas em catapulta sobre tudo e sobre todos. Muitas são autênticas pérolas.

Debaixo do viaduto do SATU abriu uma churrasqueira de nome "Brasinha". Novidade no burgo. Dúvida na cabeça dos marmanjos.

- O que é que é uma brasinha?
- Aí meu, quem não sabe?...
- Eu não sei e não sou parvo. Tu sabes?
- Claro, é uma miúda assim toda jeitosa, boa...
- Ah... Atão é o mesmo que grossa...
- É pá és mesmo atrasado. Grossa é muito melhor que brasa.
- A Mi quando fôr grande vai ser grossa e brasa, não é Mi?
- Deves ser é parvo. Eu quando fôr grande vou ser é uma Mantorras.

sábado, 1 de setembro de 2007

Há feira em Bensafrim!

A feira de Bensafrim representa o quase fim de férias, o regresso às escolas e ao trabalho, o deitar e acordar a horas ditas decentes e também as passeatas Serra de Sintra adentro, o vai vem dos treinos de basquete e de andebol, o despe e veste das piscinas, os acampamentos de escuteiros, as reuniões de pais, as cachupadas, os ensaios, ... mas tudo isto só acontece lá pra depois da feira de Bensafrim passar.

É por lá que se anda em banheiras a motor e em motoserras aceleras, se aplaude cavaleiros e amazonas mais ou menos artistas, se come o melhor doce de figo do concelho de Lagos e, principalmente se encontram os velhos amigos dos tempos de escola e se ouvem as estórias dos mais velhos.

O Ti Juanito Chula é um amigo que já não é porque os torrões já lhe fazem algum peso. Conhecemo-nos no Lar de Misericórdia, long time ago. Gostávamos um do outro como os avós gostam dos netos e os netos dos avós. Quando chegava a Lagos mandava-lhe recado pra irmos beber um sumolzito e pôr a conversa em dia.

O Ti João era nascido e criado no Vale de Bensafrim e aí tinha sofrido gostos e desgostos, perdas e geadas, anos e amores. Às vezes falava de como o vale tinha sido próspero, das cheias da ribeira, da chegada dos cámones às Colinas Verdes, da esperança de desenvolvimento a quando da abertura do restaurante do João da Gruta, mas animava-se era quando chegava o fim d'Agosto e era o dia da festa.

Trazia-me sempre as "feiras": um saquinho de figos secos ou de amêndoas, uma quadra de manjerico, um caneco de barro. No seu último ano trouxe-me um "rajá". Um supermax fresquinho, comprado pela manhã, embrulhado no papel pardo da mercearia do Zé d'Almeida e passeado todo o dia na algibeira do Ti João, foi certamente o que ele, que nunca pôs nada frio no bucho, sentiu que mais prazer me traria. E acertou!

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Banho 29

A 29 de Agosto, em Lagos e noutros lugares do Algarve é costume os serrenhos e os mareiros se banharem no mar depois do sol posto.

Vinham de burro, com os alforges cheios das iguarias da serra, cantando e rindo estradas fora, direitos às praias. Dizia-se que este banho valia pelo ano inteiro e dava saúde da boa.

Hoje em dia o corropio às praias na noite de 29 de Agosto mantem-se mas, as camisas de dormir e as cerolas são só pra lembrar os antigamentes.

Desde sempre cumpri o ritual do 29. Primeiro com os meus pais e família, na adolescência com os amigos, entre fogueiras, guitarras e sol nascido já a 30 e depois mostrando aos filhos o gozo que é mergulhar na escuridão do mar, correr para embrulhar em mantas e devorar o arroz de tomate fumegante que sempre fez parte do nosso farnel.

Foi assim este ano. No Porto de Mós, mais abrigado que a Meia Praia. Faltou a fogueira. De resto esteve quase tudo. Até a lua tinha enchido de véspera. As crianças pequenas foram partindo quase adormecidas, a cantoria tornou-se mais suave e menos efusiva, a areia muito morna, apenas algumas empadas, um pouco de tintol e um panelão de sopa completamente vazio repousavam por ali.

Se entrefechar os olhos ainda ouço o "Woman no cry" ou o "Samba pa ti" que o nosso Zé fez a guitarra chorar. Beijos pessoal. Até pro ano!

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Ti Agostinho

Quando em férias, gosto de me sentar no Largo Gil Eanes, pela manhãzita, a ler o meu DN e a beber o primeiro café do dia.

Numa dessas quase madrugadas, por sinal enevoada, o Ti Agostinho, aproximou-se pra me dar os bons-dias e uns poucos de dedos de conversa.

O Ti Agostinho gosta de dizer que já fez nove dezenas há pra cima de cem meses e, que tem idade própria pra pensar e dizer tudo o que pensa. À noite costuma sentar-se no poial da porta e ler os recados das estrelas sobre o que diz respeito à lavoura e à prenhice do gado. Quando tem parceiro toca harmónica e canta ao desafio aquelas modas malandrecas costumeiras do barrocal algarvio onde viveu toda a vida, até decidir, por vontade e pé próprio mudar-se pró lar por si escolhido.

Falou-me do bom que é a brandura matinal para o amadurecimento dos figos, dos calos que lhe atormentam os pés, dos chatos que são alguns "velhos" lá do lar, da simpatia das funcionárias, do conforto das camionetas da carreira de hoje em dia, da carestia das contribuições, ...

Um comparsa passou e reclamou a sua presença para um joguinho de bisca lambida. Levantou-se e despedimo-nos. Já lá ia mas voltou. Mirou-me e remirou-me. Deu uma voltinha à cadeira onde me sentava. E outra ainda no sentido inverso. Pôs-me então a mão no ombro e pesaroso:

"- Conceiçanita, vomecê tá tã gorda. Velha. E feia."

Fez uma pausa. E, de novo:

"- Velha. Gorda. E feia! E era tã jeitosita..."

sábado, 25 de agosto de 2007

Sôdade de nos terra...

Os nossos andebolistas infantis da Assomada foram a Lagos ao Torneio Internacional de Andebol.

Para alguns deles foi a primeira saída de casa, para longe da família e do Bairro da Outurela.

Pessoalmente fiquei muito feliz por os "nossos putos" puderem ir passar uns dias divertidos à minha terra natal e, enquanto não desci até lá não descansei.

Entre jogos e idas à praia ainda deu para brincar nos insufláveis e ir até ao Zoo de Barão de São João.

É um espaço onde se sente que os animais são felizes e muito bem tratados. Os miúdos deliraram com os macacos, a passarada, a ceifeira debulhadora e também no parque infantil e nos jogos de cartas disputados nas mesas da zona de merendas.

Durante este saltitar percebi que um olhar sempre os seguia. Uma mulher jovem ainda, mestiça, zeladora da limpeza do lugar, ia deslizando um olhar furtivo e húmido na peugada dos rapazolas. Sorria ao seu sorriso e às suas graçolas e aproximava-se o mais possível para escutar as aventuras relatadas em crioulo de "badio" que nunca pisou chão caboverdeano.

A dada altura não resisti e abordei-a:

"- Você é de Cabo Verde, não é?

- É.

- E deixou filho na terra ...

- Foi..."

Lia-se nos seus olhos a "sôdade" de lá e de quem lhe rompeu do ventre.

"- Venha mamã, lanche connosco!"

Puxaram-na, abraçaram-na, quiseram tirar fotografias todos à sua roda.

Natalina falou-nos da recente vinda, da luta diária, do sonho quase a concretizar de mandar vir o único filho e da alegria de, pela primeira vez em terras lusas se ter sentido perto de casa, ali, naquela tarde solarenga, com os putos da Assomada, numa alegria contagiante, a crioular graças e desgraças da sua vida de campeões de jogos de escondidas e apanhadas.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Minha querida Lila!

A Lila sempre fez parte da minha vida. Já lá estava quando cheguei.

E, nessa época, há mais de quarenta anos já ela era, digamos, especial.

Usava minis muito minis, que arregaçava quando subia para uma mesinha de madeira onde gostava de dançar yé-yé, ao som beatleano que saia dum gira-discos plástico em azul turquesa.

Na cidade de província em que viviamos a Lila era do mais moderno e ousado que por lá se tinha imaginado. Era a cor no meio dos vários tons de cinzento, a sua gargalhada fácil distinguia-se pela praia fora e encantava a criançada das redondezas nos preparos para os anuais concursos de construções na areia organizado pelo DN ou, quando no final do Verão festejava o seu aniversário, com enormes salames de chocolate e jarros e jarros de limonada.

A Lila era a tia que todos quisemos nossa.

Já passou dos 60 mas a gargalhada fácil e a excentricidade mantêm-se. As saias, agora negras, roçam o chão, o eye liner continua a alongar-lhe os olhos e só da sua boca saiem verdades tão verdadeiras que vindas da boca de quaisquer outros seriam ofensa.

Sempre lidou muito bem com os assuntos da morte. Tão bem que há um tempo atrás resolveu comprar um talhão de terra no cemitério municipal. A pensar no futuro, contava-me ela. Só que houve quem na família se apressasse para o lado de lá e ela quiz ter o prazer de de lhe ceder a vaga.

Numa recente ida ao cemitério por ocasião de um funeral, reparei que o tal talhão se encontrava demasiado enfeitado de marmoreadas obras de arte sacra. Estranhei, uma vez que o infeliz ocupante não era dado a tais preparos e muito menos a tão elevados gastos.

Quando comentei o meu espanto com Lila, ela respondeu-me com toda a queitura que a caracteriza:

"- Eu é que escolhi a decoração e os santos. A terra é minha. Ele é só meu convidado!"

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Amor à espera ...

"Deve de ser bom saber que se tem um amor há espera..."

Falou baixito, contemplativa, enquanto juntas e de mãos dadas mirávamos os miúdos, que na parte baixa do jardim corriam sobre andas e rolavam relva abaixo.

O amor dela partiu há muito em busca de vida melhor, acreditando em promessas que nunca saberemos se se concretizaram. Ela ficou na espera, criando os seis filhos que "Deus já tinha dado". Lavou escadas, fez pastel pra fora, chorou , prometeu e cumpriu idas e vindas a santuário rezando pela volta, amou filhos e cria netos, comendo quantas vezes o pão que o dito amassa.

Nunca quiz voltar a acreditar nos homens nem nas suas promessas de amor. O tempo trouxe reforma e levou filhos para lá longe, trouxe inchaço nas pernas e névoa nos olhos. Entre as minhas mãos sinto o calo grosso de trabalho e as artroses dolorosas que quem passou a vida com as mãos na água dos outros.

"Com as minhas mininas vai ser diferente. Vão ter um amor à espera..."

Não respondo nada. Finjo nem ouvir. Ela insiste.

"Num é? Elas todas já têm homem..."

Passo-lhe o braço sobre os ombros.

"É... "

Trinquei o lábio e cerrei muito os punhos. Como eu tão bem sei o quanto lhe menti.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Diga porra qu'alivia!

Sempre desconfiei de quem nunca diz palavrões.

Não que seja apologista que se ande a distribui-los a torto e a direito, mas existem ocasiões em que são quase mesmo imprescindíveis, como expressão de raiva, de cólera, de surpresa, de desespero, até de alegria.

Conheço gente tão contida que em dezenas de anos nunca lhes ouvi uma palavra fora do sítio. Nem um "Com a breca!". Pode ser um grande disparate mas acredito que são menos felizes por isso. Não é plo mandar alguém à merda que se é mais ou menos feliz mas pelo soltar das emoções, pelo chorar de tristeza na perda de quem se ama, pelo gargalhar dum qualquer disparate, pelo barafustar quando se foi mal atendido.

Este assunto lembra-me sempre uma história passada num almoço de Natal. O Rosendo é o único ascendente masculino que me resta. É meu tio materno, bem disposto e excelente cozinheiro. Surpreende-nos em cada Natal com um novo petisco no centro da mesa e faz questão que seja eu, a sua única sobrinha, a servir a famelga toda. Há uns natais atrás, estávamos nós a iniciar este preparo, já com os ilustres comensais salivando pela surpresa quando, ao detapar o imenso tabuleiro, soltei um ai de dôr. Tinha-me queimado. O Rosendo, acabadinho de sentar ao lado do seu mais que querido cunhado, piscou-me o olho e disse:

- Diga porra filha, diga porra que alivia!

Eu disse. Acho que aliviou. Foi gargalhada geral.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Parabéns mana preta!

Ontem foi dia grande. A minha mana de coração passou os quarenta.

O dia amanheceu chuviscoso.

Dum pátio no Bairro do Alto da Loba, saía a procissão em honra da N. Sra das Graças, à maneira da cidade da Praia.

Os cetins contrastavam com o colorido dos poucos panos africanos enrolados à cinta das mais idosas. As comadres abraçavam-se perguntando novas dos afilhados. A cruz de madeira, rústica e genuína abria caminho bairro adentro e nós, subimos e descemos ruas acompanhando a procissão no seu lento progredir.

A chuva continuava a salpicar e, baixinho, quase em susurro, mas passo a passo, ouvia-se alguéns dizerem: "É chuva abençoada, como em nos terra".

Senti o quão bem vinda estava a ser aquela água, como se trouxesse um poucochinho do lá longe, de quem bem lhes quer lá no meio do oceano.

Saimos dali de alma cheia, não foi mana?

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Já sou grande?

Perdi a redacção mas, durante muitos anos imaginei esse momento bonito. Caiava uma casa térrea, de lenço na cabeça e com a ajuda dos filhos. A mangueira derramava água fresca rua abaixo e ouvia-se música alto. Soavam guitarras de dentro da casa. As cortinas, brancas e leves esvoaçavam janelas afora.

No nosso bairro todas as casas têm quintal. Hoje caiei o meu. Os miúdos divertiram-se bué, a mangueira lavou chão, plantas, pés e alma, o Carlos Paredes tocou só pra mim, muito alto, e as cortinas, brancas e leves esvoaçaram janelas afora .

Esta noite acenderei uma vela. Ou melhor duas velas. Uma na chaminé e outra no meu coração.

domingo, 12 de agosto de 2007

Quando eu fôr grande

Noutro dia, remexendo nos antigamentes, encontrei uma velha redacção da terceira classe. Dizia assim:

"Quando eu fôr grande não vou ser muito grande porque vou continuar a fazer coisas de pessoa pequena. Vou brincar e dizer graças como o meu pai e, se calhar, vou ter cabelos um bocadinho brancos como a minha mãe.
Eu acho que nunca vou ser uma senhora assim muito verdadeira, daquelas com os cabelos levantados, os sapatos altos, a cara pintada e um bocado toleironas.

Vou ter um trabalho e vou ter uma casa com quintal. Acho que vou ter filhos e que eles também vão ser alegres e diabretes.

Vou tocar e cantar músicas bonitas, vou abrir as janelas todas da minha casa, pôr um lenço na cabeça amarrado atrás e vou caiar o quintal. Os meus filhos vão regar as plantas com água fresca da mangueira de borracha.

Vai ser uma festa. Eu ainda não sei bem se é bom ser uma pessoa grande."

Nasci!

Anos, meses a fio desejei parir este blog. Mas a inércia fez com que o parto tivesse sido mais e mais adiado. Chegou hoje o dia de partilhar convosco as vivências, às vezes tristes, às vezes alegres da malta mais e menos miúda com quem vou vivendo quase à solta. Beijo gordo.
 
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