segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

nostalgia

Os olhos da minha mãe nunca foram muito brilhantes. Condiziam com o ar triste e belo que sempre lhe conheci. A sua serenidade contrastava com uma quase permanente preocupação com o que não nos preocupava a nós, tidos por ela como seres pouco responsáveis e demasiado optimistas perante o estado da vida e do mundo. Houve alturas que me pareceu que, assim como nuns repentes de luz, se permitia ser feliz. Dançavam os dois sempre de olhos nos olhos e lia-se que, apesar dos muitos anos, das zangas e discórdias, a paixão nunca morrera. Numa noite como as outras, ele abriu muito os olhos verdes e disse-lhe que parecia tinha chegado o fim. Infelizmente não se enganou. Os olhos da minha mãe perderam o brilho, o cabelo embranqueceu de vez, o mundo vestiu-se de negro e a casa da minha infância tornou-se um lugar de silêncios, sombras e dor. Cada vez dói mais vir a Lagos.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Vó Natalina

Nem sei bem porquê mas hoje lembrei-me amiúde da Vó Natalina, anciã de origem africana com quem me vou cruzando de quando em vez. Falamos dos filhos, dos netos e do tempo mas nunca de mazelas, tristezas ou desventuras. Ela diz que a fazem ficar mais manca, mais feia e lhe tiram anos de vida.

Quando numas manhãs de fim de Verão começámos a falar da possibilidade de ir à terra rever família, lugares e amigos, Vó Natalina animou com a ideia da viagem e de se livrar por umas semanas da rabujice de quem doze filhos lhe dera a parir. Já praticamente de malas aviadas de roupa nova e presentes para os sobrinhos mais que bués, comunicou, solenemente e de cara fechada que já não ia e nem valia a pena insistir porque a decisão estava tomada.

Tinha revisto a sua vida desde a partida do lá longe, há quase quarenta anos, quando, segundo ela, era jovem, bonita, bem grossa e moça muito desejada pelos jovens casadoiros da terra. Não os podia desiludir, voltando velha, gorda, desdentada, manca e, ainda por cima, comprometida com o Jaimito na graça de Deus nosso senhor até que a morte o levasse, porque ela ir à frente pró buraco é que era coisa que nunca haveria de consentir.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Nos dias e dias, anos e anos vamos vivendo um rol de personagens que fazem as nossas vidas mais ricas e plenas. Depois da correria, da canseira, das dúvidas, dos desalentos e dos desafios que vamos ganhando ou perdendo existem aqueles momentos curtos, quase de fugida que valem pelas férias caribenhas a que nunca chegaremos. Momentos de paz, de carinho, de reflexão ou simplesmente de paragem, de silêncios e cumplicidades.

Noite fora, de Belém à Trafaria, indo e vindo, ao sabor do horário do cacilheiro, da música saida do ipod e dum lanche embrulhado às pressas. Deixarmo-nos ir adormecendo e acordando, entre palavras, enquanto lá fora a chuva cai, as ondas galgam os rochedos e o farol do Forte de São Julião nos liga à firmeza da terra.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Terra à vista ?

Tem dias o mundo parece quase perfeito. O sol brilha até quando chove a potes e o luar espalha prata em noites de lua nova. Nesses dias todos os meninos cantam canções de roda, dão as mãos e acreditam nos amanhãs sonhados. Nos outros tantos dias que sempre são demais, parece o sol se cobre de geada e a lua de negro se veste. As mantas não aquecem o Agosto das vidas e as estrelas não iluminam as estradas que sempre se transformam em lugares sem saída à vista.

No sempre depois-já-quase-a-seguir, as feridas saram, os caminhos voltam a ter rumo e o sol e a lua seguem o seu percurso estudado de fazer dias soalheiros e noites luarengas, trocando-nos as voltas em eclipses não previstos na metereologia do canal público.

Assim têm sido os anos passados. Despedimo-nos do sol à tardinha, na babuja salgada de mar chão ou revolvo, consoante os dias e acordamos na partida da lua, fresca de geada ou seca de tanto estio. De quando em quando também ela entardece a tempo de ele se despedir ou então é ele que a espera na linha recta do oceano, ambos em sede de reencontro e desejo de passos paralelos.


Tenhamos nós a capacidade de pegar numa mão cheia de boa vontade, tolerância, criatividade qb, amor próprio e ao próximo, acrescidos da experiência e trabalho acumulados, produziremos certamente obra com sucesso garantido.

O que não quero não é a lua quase cheia nem o sol de Outono. É mesmo e tão só a escuridão do céu que quero azul seja noite ou dia.

 
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