sábado, 25 de abril de 2009

D. Revolução



Eram oito e pouco da manhã. O portão de ferro da entrada da escola não estava escancarado. A criançada não brincava no recreio da frente. Nem no de trás. A menina Clotilde avisava assim quase sorrateiramente todos os que iam chegando:

"- Vai pra casa piqueno que a D. Revolução chegou esta noite".

Também voltei. De caminho, fui espreitando os burros do vizinho Seromenho, a mercearia do Joaquim Guilherme, a venda da Bia e metendo conversa com o Manel dos Pincels que, empoleirado na sua velha escada de madeira caiava as varandinhas da Porta dos Quartos.

- Atão menina, o Senhor Professor caiu da cadeira ou foi a senhora dele que teve menino?

- Diz que a D. Revolução tá na escola ...
fui dizendo, enquanto amarinhava escadas acima, abrindo rasgão no engomado bibe branco e pintalgando as tranças já tão meio à banda.

A minha avó espreitou do postigo:

- E quem é que vem a ser essa da D. Revolução?
- Eu cá acho que deve ser ...

E nem fui a tempo de dizer "inspectora". A minha avó já bradava lá de cima que a magana que tinha acabado com bibe tão bem costurado bem se podia ir preparando para escrever vinte cinco linhas de "A bata da escola é branca de neve, sem nódoas nem buracos".

Depois, no meio do alvoroço do pessoal, das cantorias, dos soldados que sairam do quartel sem ser a marchar, do coro de "O povo unido jamais será vencido" a minha avó esqueceu-se do castigo e tratou de mandar chamar o Manel dos Pincels para vazar, limpar e caiar a cisterna, não fosse o diabo tecê-las, o tempo voltar pra trás e a família precisar dum lugar seguro para se esconder não sabia de quem.

Na folha de vinte e cinco linhas só escrevi:

Lagos, 25 de Abril de 1974

quinta-feira, 23 de abril de 2009

afinal, quem ?

Chamaram-lhe Maria de Fátima e cresceu Fátinha. Atrás do sonho de vida melhor aterrou em Lisboa no princípio dos anos 90. Descobriu pouco depois que afinal não tinha vindo para o paraíso. A patroa não pagava nem fazia contrato, estava muito frio e a escola não aceitava estrangeiros não regularizados.

Penou nas filas do SEF e nunca chegou à sua vez. Fez o que continuam a fazer muitos imigrantes: inscreveu-se numa empresa de serviços com documentos mais ou menos emprestados por um conhecido, que dizia serem duma irmã que já tinha voltado para a terra. Apresentou-se como Georgina para trabalhar num hotel na linha do Estoril, poucos dias depois.

Parece a vida já lhe sorria. Gostavam dela no emprego, recebia gorjetas dos clientes, morava numa casa simpática com o companheiro e os dois filhos nascidos entretanto. Um dia a chefe chamou-a à recepção, alguém procurava por ela. Eram da polícia e vinham buscá-la. Por mais que explicasse que a Georgina não era ela, que os documentos que estavam na mala eram só emprestados, foi na mesma julgada e condenada a 4 anos por tráfico de droga.

Na cadeia foi conquistando a confiança de todos e com a ajuda de uma advogada oficiosa conseguiu ser ilibada de tráfico e condenada por utilização de documentos falsos. Saiu aliviada mas sabedora de todos os truques de como enganar o parceiro ou fazer seu o objecto alheio. Desesperada e sem emprego, envolveu-se e ao companheiro em burlas e gamanço e acabou por ser apanhada no SEF quando foi levantar documentos. O companheiro foi preso e ela expulsa do país.

Na terra só passou os dias necessários para visitar a família e arranjar passagem. Menos de uma semana depois aterrava em Lisboa como Edite. Apanhou os filhos na casa da amiga onde os tinha deixado, disse à patroa que tinha estado internada no hospital, alisou a cama que continuava desfeita, marcou a data de casamento para o mês seguinte e voltou à lida.

Actualmente marido e mulher trabalham, as crianças frequentam a escola oficial e aguardam que os cinco anos do período de expulsão chegue ao fim. Nesse dia, se tudo correr bem, talvez o Luís e o Zézinho deixem de ser filhos da Georgina, o pai deles se divorcie da Edite para casar com a Maria de Fátima e finalmente sejam uma família de verdade. E feliz para sempre, também.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

elas

Ao longo do dia de hoje fui-me lembrando de mulheres idosas que, por uma ou outra razão estão ligadas à minha infância em Lagos. A minha bisavó Dlim-Dlim, assim alcunhada por nos baloiçar sentados no seu pé direito e que há muito vivia no mundo da imaginação; a avó Aldegundes, mestra doceira algarvia sempre de mesa posta e porta entreaberta; a avó Naicinha, mulher rija da serra, alegre, cantadeira e conhecedora dos segredos do campo; a Ti Torres que morava atrás do cemitério e amanhava os braços e os pés torcidos, a Ti Estrudes do Ti Henrique que já não saia de casa e ficava na janela a perguntar as novidades e a coscuvilhar o mais que podia, a Ti Piedade quer-matar que aviava as pevides e as alcagoitas à porta do cinema, a D. Augusta parteira e mais o seu 4L pintado com tinta de parede, a Etelvina rua acima rua abaixo nos recados à D. Pepa, a senhora Adelina encostada à telefonia que debitava notícias do mar, a doce menina Otília e a ríspida D. Bibita onde todos os miúdos andaram na escola-paga, a Ti Bia da venda onde se vendiam os melhores pirolitos da Porta-dos-Quartos, a senhora Chica das bananas na Rua Direita, a senhora Virgínia da fruta na Praia da Batata e as avós todas que nos esperavam na volta da escola com pires de arroz-doce, ralhetes, recados e mandados mas principalmente com colos disponíveis e estórias tantas de contar e sonhar.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

amor ???

descer à terra. matar a rebeldia. calar. ouvir. acatar. aceitar. falar baixo. crescer. acordar. acalmar. parar. entristar. preocupar. nunca ir. não brincar. interdito sonhar.

e apodrecer, não?


lll

quinta-feira, 16 de abril de 2009

não há palavras ...

disseram foi pró céu e mora nos nossos corações.

na ponta do sal parece o céu é maior e o silêncio do marulhar abranda o coração.

afinal era mentira.

nem rasto.
só dôr.

revolta também.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Dizer o quê?



Há apenas umas horas o Santiago cantava o "patinho" e batia palmas de alegria. Atirava beijinhos, gatinhava a 100 à hora e pulava de colo em colo. Há apenas umas horas o Nelson e a Patrícia eram uns jovens pais orgulhosos das gracinhas do seu rebento. Há apenas umas horas o sol brilhava entre os pingos de chuva e um arco-íris iluminava o cinzento escuro do céu.

Tudo se apagou. Escureceu de breu.
De nada serve dar murros nas paredes, soltar palavrões, tão pouco chorar.
Reclamar? Implorar? A quem?
Afinal, quem mesmo é que manda na vida?

terça-feira, 7 de abril de 2009

ASSOMADA ki ta rabenta

Desde sábado que as nossas princesas estão a participar no Torneio Internacional de Andebol do Seixal nos escalões de infantis, iniciadas e juvenis.

Durante a semana vamos lá ao final do dia levar e receber os mimos, ouvir as queixas,as saudades e as novidades de cada dia.


Aqui que elas não escutam até se pode dizer: - São tão giras!!!

E o bom que é sabê-las tão bem entregues ao cuidado das companheiras mais velhas, juníores ainda, mas com grande sentido de responsabilidade técnico e humano. Orientando os jogos, tratando as que se magoam, ralhando quando preciso, zelando para que se alimentem e descansem devidamente, que cumpram as regras e que aproveitem a oportunidade para se divirtirem e fazerem novos amigos.

Dá, Leila, Sofia, Célia, Susy e Edna, brigadão meninas.
Elas dizem que vocês são assim um bocadinho más.
É só porque estão a desempenhar bem o vosso papel.

Miriam, Sónia, Anissa, Jessica, Márcia, Marta, Vânia, Beti, Miriam, Sara, Débora, Miriam, Erika, Bebé, Andrea, Luísa, Odete, Jessica, Cristiana, Tchu, Solange, Tâmara, Claúdia, Liliana, Vanessa, Tânia, Sílvia, Maria José, Aninhas, Méri, Vânia, Mica e Carla, divirtam-se muito, portem-se bem e marquem muitos golos para a nossa Assomada.


Foto de Miguel Nunes, Jornal "A Bola"

domingo, 5 de abril de 2009

Ganho vida nos abraços calorosos de cada dia, nas mãos que palmam uma na outra com fervor, nas gargalhadas que soltamos e no entusiasmo com que acreditamos no que queremos seja.

Sei que continuo à espera. Não sei é bem de quê.

Ou saberei?

neblinas ...
ggg
ggg
gggggggggggggggggggggg
gggggggg
ggggggggggggggggggggggg
g
vem.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

são tretas, senhor

É pá que treta! Só agora é que percebi a quantos estivemos todo o dia e nem engrupi unzinho que fosse. Bom, quero querer que aquelas contas manhosas que encontrei na caixa do correio devem ser duns senhores brincalhões lá das finanças e que aumentar os imi's foi a forma mais engraçada que eles arranjaram de animar o contribuinte.

É melhor não pagarmos porque lá para a semana que vem devem mandar uma carta a dizer que afinal era a brincadeira do 1 de Abril e que estamos todos isentos.

Parece que não, mas ainda há gajos que são verdadeiros profissionais da aldrabice. O pior é que a malta já não lhes acha graça nenhuma.
 
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