quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Minha querida Lila!

A Lila sempre fez parte da minha vida. Já lá estava quando cheguei.

E, nessa época, há mais de quarenta anos já ela era, digamos, especial.

Usava minis muito minis, que arregaçava quando subia para uma mesinha de madeira onde gostava de dançar yé-yé, ao som beatleano que saia dum gira-discos plástico em azul turquesa.

Na cidade de província em que viviamos a Lila era do mais moderno e ousado que por lá se tinha imaginado. Era a cor no meio dos vários tons de cinzento, a sua gargalhada fácil distinguia-se pela praia fora e encantava a criançada das redondezas nos preparos para os anuais concursos de construções na areia organizado pelo DN ou, quando no final do Verão festejava o seu aniversário, com enormes salames de chocolate e jarros e jarros de limonada.

A Lila era a tia que todos quisemos nossa.

Já passou dos 60 mas a gargalhada fácil e a excentricidade mantêm-se. As saias, agora negras, roçam o chão, o eye liner continua a alongar-lhe os olhos e só da sua boca saiem verdades tão verdadeiras que vindas da boca de quaisquer outros seriam ofensa.

Sempre lidou muito bem com os assuntos da morte. Tão bem que há um tempo atrás resolveu comprar um talhão de terra no cemitério municipal. A pensar no futuro, contava-me ela. Só que houve quem na família se apressasse para o lado de lá e ela quiz ter o prazer de de lhe ceder a vaga.

Numa recente ida ao cemitério por ocasião de um funeral, reparei que o tal talhão se encontrava demasiado enfeitado de marmoreadas obras de arte sacra. Estranhei, uma vez que o infeliz ocupante não era dado a tais preparos e muito menos a tão elevados gastos.

Quando comentei o meu espanto com Lila, ela respondeu-me com toda a queitura que a caracteriza:

"- Eu é que escolhi a decoração e os santos. A terra é minha. Ele é só meu convidado!"

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