quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

vidas ...



Chegou há quase 20 anos. Jovem atleta, alegre e bem parecido, atrás do sonho de uma vida melhor. De andaime em andaime foi calejando as mãos e amealhando para uma barraca só sua. Em dúzia e meia de meses subiu paredes, rasgou janelas para o vale de Miraflores e pôs fogão, cama, mesa e poucos mais tarecos numa casa feita à sua medida. Poucas Primaveras depois o trabalho tornou-se escasso na grande cidade. Apanhou um comboio em Santa Apolónia e desceu na última paragem. Não sabia o nome do lugar mas tinham-lhe dito que, por lá a construção cívil ia em grande. Estava muito frio, já era noite e estava cheio de fome. Dinheiro nem vê-lo. Nem gente tampouco. Na manhã seguinte andou de obra em obra, pedindo trabalho. Afinal a fartura não era o que lhe tinham vendido. De pedreiro a servente foi o caminho para a sobrevivência e a fuga à miséria maior. À noite, quando se recolhia no contentor com os companheiros, alheava-se das brigas e das gritarias e sonhava com a vida de família que havia de construir na tal casinha com vista pró Mar d´Algés. Não sonhava que por lá, os buldozzers derrubavam, uma a uma, barraca a barraca. Chamavam-lhe irradicação e ofereciam promessas de progresso em prédios altos, sem quintais nem hortas e onde os autocarros raramente chegavam. No regresso, em vez da casa só achou pedras e tábuas e vidros sepultando os poucos haveres que eram seu único pecúlio. De repartição em repartição contou a sua estória. Técnicas e técnicos deram-lhe impressos a preencher e mandaram-no aguardar uma resposta que nunca chegou. Os documentos caducaram e os patrões fecharam-lhe as portas. A tristeza e o alcool roubaram-lhe o brilho do olhar. Acolheu-o a rua. Às vezes lembra-se que ainda existe e volta à luta pela identidade, por um trabalho, por um tecto, pela dignidade a que TODOS DEVERIAMOS TER DIREITO.



mmm

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