segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

pressa de não crescer



Parece-lhes impossivel ter crescido num mundo sem telemóveis, hi5 ou centros comerciais e ficam extansiadas com a pré-história que foi a minha adolescência nos idos anos setenta e tal oitenta. Que faziamos, que falávamos, que música ouviamos, por onde passeávamos e namorávamos num mundo que lhes parece era parado, amorfo e sem interesse.

Falei-lhes de quilometros e quilometros à boleia para colar cartazes de espectáculos, de dias inteiros de Meia-Praia, da descoberta da cidade grande, dos namoros de Verão, das viagens de comboio todos os fins-de-semana entre Lisboa e Lagos, dos amigos e das músicas do Barimbar, das cartas chegadas e enviadas, do LP duplo do Simon e Garfunkel no Central Park, do Cinema Império e dos filmes poucos que por lá passavam, da Casa das Artes onde passei semanas de tardes a ler, dos passeios pelas arribas do Pinhão à Ponta da Piedade, do viver num quarto alugado e numa residência universitária, partilhando livros, experiências, saberes e comeres, da corrida do Hot Club até ao Cais do Sodré para o último comboio, dos almoços pelos jardins de Lisboa, das noites inteiras de conversa e de cantigas, da piscina e da pista de dança do Charlie Chilly da Aquazul, do regresso a pé da Horta2, dos banhos no canal da barragem em Arão, dos tantos casamentos em que toquei a Marcha Nupcial e a Oração de São Francisco, da minha banca no mercado da reforma agrária a medir tensões arteriais, da recolha de estórias, modas e mézinhas que fiz com os idosos da Santa Casa, de dormir ao relento, de ir à biblioteca buscar livros, de gravar cassetes com as músicas preferidas, de amar perdidamente e não ser correspondida, dos autocarros verdes de dois andares, do barquinho a remos para a Meia-Praia, de acordar de madrugada para ir à maré ao Rio de Alvor, da alfabetização de mulheres imigrantes, de amassar e cozer pão no forno de poia de São Marcos, de fazer brincos e pulseiras de missangas e arame cobreado, de ir à vindima aos Matos Brancos, de varejar amêndoas na minha Atalaia, de fazer babysitting a miúdos estrangeiros, de ler o Papalagui na Praia dos Estudantes, da desilusão que foi a Costa da Caparica, dos cafés intermináveis no Abrigo e na Britaica, das vidas contadas às escuras, dos acampamentos na Praia da Adraga, das muitas directas a estudar e a fazer trabalhos de grupo, do nascer da paixão, do gosto pela novidade e do eterno vício de sonhar acordada.

4 comentários:

Maria de Fátima disse...

São, gostei muito destes textos
e tenho a sensação de que já nos conhecemos...terá sido?! :)

são branca disse...

Maria de Fátima, é provável que nos conheçamos uma vez que também sou de Lagos. Saí de Lagos em 1983 para vir estudar para Lisboa mas volto com muita frequência e sempre aí passo as férias com a minha mãe, que se chama Maria, era enfermeira no centro de saúde e mora ao pé da casa dos pássaros. Muito obrigada pela sua visita e fico muito contente que tenha gostado das palavras que, à solta, por aqui vou deixando. Qualquer coisa, o meu contacto é saobranca@gmail.com

Paula: pesponteando disse...

Olá São,

Lindo texto! Com ele voltei no tempo. Brinquei descalça na rua, fiz travessuras, fui à escola, ouvi música, revi amigos e pessoas queridas e agora estou me perguntando como posso não viver sem tudo aquilo, sem aquela simplicidade, sem aquelas pessoas...Ai que saudade...Bjs

rita Taquelim disse...

Obrigada São, por me reavivares o lugar secreto onde as nossas memórias se escondem e os nossos afectos se constróem e se revelam... tantas caminhadas nas arribas do Pinhão, tantos passeios no fundinho da Meia Praia, já lá depois dos "indíos" e juntinho à Ria de Alvor e à expectativa de crescer rápido e conhecer a Cidade Grande...Obrigada! Beijo forte. RiTaquelim

 
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