terça-feira, 31 de março de 2009

adolescência

Será que a adolescência é mesmo um mal necessário? Quer dizer, a dos outros, porque a nossa foi mesmo imprescíndivel. Não fosse ela e a nossa mãe teria ficado convencida para o resto da vida que eramos assim uns desenchaibidos duns pãezinhos sem sal e sempre na dúvida a quem afinal é que tinhamos saído. Com certeza não era a ela que sempre fora jovem de dar trabalho aos nossos avós. Tudo por amor, porque não fora isso e a vida deles teria sido uma rotina do caraças numa idade em que ainda tinham energia para esbracejar, gritar, teimar e, na teoria deles, em caso de necessidade até lhe dar um bom par de estalos. Quer dizer, não foi só por amor à mãe e pelo desenvolvimento da sua capacidade de argumentação que nos armámos em parvos e em xicos espertos ocupadíssimos em praticamente todas as noites de sextas, sábados e domingos e mais nas outras de segunda a sexta em que tínhamos um monte de compromissos inadiáveis com os nossos amigos ou com os amores das nossas vidas. Também foi por amor ao pai. E como forma de estímulo ao diálogo entre eles os dois. Assim sempre tinham motivo de conversa e, palavra puxa palavra lá se entusiasmavam, enrolavam-se um no outro e nem davam conta da nossa hora de chegada. Isto não se chama dar a volta, chama-se amor ao próximo, que é uma cena muito à frente, para quem, como dizem os pais só vê o seu próprio umbigo e mais o corpo todo da paixão de cada dia.

- Dá para de vez em quando vocês fingirem que já são gente grande?

segunda-feira, 30 de março de 2009

ventanias

O vento sopra de Norte e o papagaio voa pra Sul.
Às vezes sobe tão alto que brinca com as nuvens e assusta a passarada.
Lá de cima ele vê o tudo muito bonitinho.
Lhe parece nem há tristezas, nem desgraças, nem diferenças.
E voa, voa, ao sabor da ventania.
Ao acender do farol de São Julião o papagaio desce,
contrariado por voltar ao mundo de verdade.
Sacudi-me de quilos de areia e de ilusões.
Também eu quero voar.
Novas nortadas virão.

domingo, 29 de março de 2009

bom proveito !

Depois de uma noite pouco dormida por sanguessuguice a um livro até ás tantas e imperioso despertar madrugador, nada mais evidente que resmungos e molenguice. Nem sempre o café faz milagres mas que ajuda ajuda. E sumo de laranja de verdade também. Parei no Pingo Doce de Linda-a-Velha para o tratamento. Praticamente a dormir em pé e à beira de uma crise de mau feitio se o efeito não fosse imediato. O pessoal, apesar das senhas numeradas de vez, sempre se amontoa e acotovela na esperança de primeiro serem atendidos. Fui na onda. De repente acordei com o pedido do casal vizinho.


- Quero um galão claro com descafeinado e adoçante e um pão de padeira branquinho mal cozido com mais manteiga do que é costume, queijo e fiambre a dobrar, metade para embrulhar e o meu marido vai beber um café cheio em chávena escaldada com dois pingos de leite, um pastel de nata morninho, dos tostados e com pouca canela. Aqui tem dois euros. Se quiser tome lá cinquenta cêntimos e dá-me um euro de troco para lhe facilitar o raciocínio.

E dois copos de água se faz favor. Mas passe-os primeiro à torneira pra não estarem quentes que dão mau gosto à água e como é pra tomar comprimidos...

sexta-feira, 27 de março de 2009

estamos a quantos?



Nunca sei bem que dia é do mês e às vezes até dos dias da semana desconfio. Oriento-me pelos horários das escolas e dos treinos e sábados e domingos é consoante os escalões a jogar e as idas aos escuteiros. Nem tão pouco às datas festivas o meu calendário se verga. Vai lembrando que o Carnaval é à terça - acho ainda é -, a Páscoa ao domingo e lá para Junho os feriados se encarrapitam uns nos outros que dá até para fingir umas férias.

Depois ainda há o dia do pai, da mãe, da criança, da mulher, dos avós e se calhar já inventaram do homem, do padastro, da madastra e do resto dos parentescos e características mais óbvias, tipo dia dos coxos de meia idade ou das balzaquianas grisalhas.

Mas hoje decidi festejar o dia. Vou vestir aquele fato de subir na vida que a D. Alice costurou com o pano di terra que o Xando me trouxe da Ilha de Santiago, calçaria até uns sapatos de salto daqueles em que até a minha perna roliça pareceria torneada, se de tal fosse capaz e estarei presente na cerimónia oficial do dia da mulher cabo-verdiana, organizada pela Embaixada de Cabo Verde em Lisboa e presidida pelo primeiro-Ministro Dr José Maria das Neves, com o objectivo de homenagear as mulheres duma terra que também sinto minha.

terça-feira, 24 de março de 2009

Diz-se o quê?

Tem épocas que as emoções são tão díspares que baralham a cabeça à própria. Fica sem perceber se deve parar de pensar e meter férias, tipo graciosas sem fim à vista ou se deve acelarar o raciocínio e tentar encontrar respostas, formas de luta e gente de sangue na guelra. Tiros no escuro. Muros no ar. Gritos surdos Uma treta é o que é.

Deixei-a à porta de casa às 11 da noite. Vai acordar às 4 da manhã, caminhar durante quarenta minutos até à estação mais próxima, apanhar o comboio das cinco e vinte para pegar ao serviço às seis e largar às oito e voltar a pegar noutro lugar à mesma hora e largar seis horas depois. Sente-se feliz porque a mãe entra à mesma hora e só sai às oito da noite. Tem 17 anos feitos ontem e a mãe está a caminho dos 36. As duas juntas recebem de salário quase oitocentos euros, pagam trezentos e cinquenta de renda, mais cento e vinte dos passes e outro tanto para a creche das gémeas. Lá em casa não há luz desde há muito tempo mas também não faz assim muita falta porque também não há televisão nem comida de sobra para guardar no figorífico.

quinta-feira, 19 de março de 2009

quantas horas teve o dia?

Há dias do caraças! Ontem.

O pobre do Manel amanheceu com uma daquelas tosses malucas que o deixam de olhos arregalados de susto, a querer falar e só sair aquele ronco de cão acoçado por botas cardadas. Um dia mais de meio para cirandar entre a sala de espera, o consultório, a salinha dos aerossois e o bar. Horas e horas de mimos, descanso e leitura. E mais pensar e falar baixinho e pôr conversas em dia.

Reunião de pais na escola por questões de comportamento e derivados. Faltas de educação e de concentração, excesso de alunos em sala de aula e consequente insucesso escolar. Mães e pais , direcção de turma e comissão executiva preocupados com o andar da carruagem e empenhados em pôr em prática planos e estratégias adequadas à resolução da situação.

Bimby. À partida, estas coisas das vendas ao domicílio com demonstração anexada não são o meu deleite, nem pouco mais ao menos. Mais ainda, desconfio de máquinas com muitos botões, ruídos estranhos e paredes opacas que escondem tudo o que lá se passa dentro e tenho sempre algum receio que percebam a minha desconfiança e, ao primeiro descuído me preguem um choque de pôr tudo quanto é pêlo em pé. A vendedora, demonstradora, cozinheira Joana era uma querida, poupou-me imensa trabalheira, deixou um jantar completo na mesa, com limonada, sobremesa e mais aqueles abraços e troca de galhardetes com o Marcelo, agora pai, marido e motorista ao serviço da família. Man, até o Marcelo se fez um homem!!!

De caminho e no meio das pressas ainda consegui dar um trambolhão tipo peixe atum a se esborrachar na calçada. Branqueei de vez e vi o mundo inteirinho de pernas pró ar, prós lados e também pra baixo porque ele rodava em todas as direcções sem querer parar para me deixar limpar os joelhos, estancar o sangue da testa, apanhar os óculos e seguir viagem, ao volante da carrinha, a caminho dos treinos. Elas assustaram-se e eu fingi que não mas tremia que nem tivesse entrado num dos congeladores da Docapesca.

Desculpa da Bimby, coincidências, o nascimento da sobrinha do Nilton na véspera, a Primavera a chegar ou o que fosse. Estendeu-se a mesa até não dar mais, esticou-se a toalha bem esticadinha e coubemos os dez e mais pratos e copos e panelas com as estórias e disparates todos que estavam por contar.

Foram indo. Deixaram e levaram o calor dos sorrisos e dos abraços que partilhámos.

domingo, 15 de março de 2009

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tem dias, até horas em que podíamos ser, por aí, em paz. dar e receber.
trocar palavras se verdadeiras. gritadas, desenhadas no ar pelo vento sussurradas.
o sol pôs-se a meio da tarde.arrefeci.tens fósforos?
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sexta-feira, 13 de março de 2009

a solo

Ir à cidade não é coisa de todos os dias, é coisa de só às vezes e muito de vez em quando. Hoje amanheceu nesse quando, antes ainda dos carros pararem em fila desde onde o Tejo sentrega ao mar. Lá fui eu e mais a minha combalida furgoneta à procura de quem lhe desse saúde e a sede lhe matasse. Sereto se chama o curandeiro. Antes sereno, que áspero ele é de feitio e acho sem melhoras, porque os anos já lhe pesam e, salta à vista a boa saúde que os azeites lhe têm dado.

Voltei na corrente e velocidade contrárias à multidão, ao meu sabor, parando aqui e acoli, descobrindo a cidade grande e cruzando gente, tanta gente, nas ruas, nas praças, nas estações de metro. Todos apressados, de ar carregado e pouco feliz. Parece nem perceberam o quanto o sol brilhava e como já apetece esquecer os casacos em casa. Mendigos, alguns, arrumadores, bués, crianças, poucas, mas faziam diferença no cortar do ruidoso silêncio da carruagem. Próxima paragem Baixa-Chiado. Como é bom vaguear por aquelas calçadas pela manhã, parece ainda lavadas e frescas do orvalho da noite, sentir cheiros de Primavera, esplanadar por lá, bebendo café, criando estórias, colorindo personagens e cantarolando bandas sonoras a condizer com o sobe e desce da vida que desperta.

Àquela hora parece a cidade rejuvenescia. Acho até esfreguei os olhos e me espreguicei para reacordar. Bruavam conversas e risos, pregões de pexisbeque e paxeminas, lotes de turistas por edioma a caminho do Carmo e piropos atirados do cimo do andaime às passantes mais ousadas. Na escadaria da igreja uma jovem afinava o violoncelo trinando lá's, um casal de adolescentes perdia-se de paixão na esquina da Bertrand e já não sei se o eléctrico passou ou se foi só ilusão.

Desci a Rua do Alecrim, comprei uma flor e entrei no comboio.

quarta-feira, 11 de março de 2009

ressonância magnética

Cada vez que uma das miúdas do andebol estraga um joelho lá vamos nós a caminho de Caselas prá ressonância magnética. E de todas as vezes me lembro da mesma estória. Estória antiga de saloios acabadinhos de chegar da província. Eu ainda sou do tempo em que só existiam universidades nas cidades grandes e a malta, aos 17 anos alugava um quarto e mudava-se de armas e bagagens, sem carro, sem telemóvel, sem computador e com mesada apertada e muito mais sonhos que anos de vida.

As donas dos quartos não gostavam de visitas e os cafés, como o Ribamar de Algés ou os jardins eram as melhores alternativas para estudo, namoro e convívio da estudantada. Foi nessas andanças que descobrimos um pinhal simpático junto a uma alameda com bancos corridos, igreja de pedra lá ao fundo, padaria com bolos quentes e baratos e paragem de autocarro directo do Marquês.

Passámos palavra uns aos outros e volta não volta lá iamos até Ressonância Magnética, estudar e fazer trabalhos, às vezes piquenicar, guitarrar e cantar, até jogar à bola ou simplesmente ficar na treta uns com os outros. Certo dia, numa aula de Semiologia da Comunicação, daquelas de anfiteatro que pareciam nunca mais terminar, o professor apresentou um exemplo ilustrativo de nem interessa o quê mas que explicava o que era uma ressonância magnética. Os que lá estávamos olhámos uns prós outros entre risos e cochichos. Acabaramos de descobrir que afinal não era assim que se chamava aquela terrinha simpática entalada entre a Mata de Monsanto e a auto-estrada de Cascais.


Mas é o que continua escrito na seta de sinalização que aponta para lá...

terça-feira, 10 de março de 2009

pé a pé

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acordar. sair. partir. ir. apressar. fingir.
sorrir. cumprir. cegar. ver. ouvir. gritar. partir. parar. pedir. chorar. sorrir. deixar-se amar.


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segunda-feira, 9 de março de 2009

por ler

Não gostar de ler é doença contagiosa, espécie de varicela de gente grande que pelo convívio infecta a miudagem, toma carácter crónico e corre sério risco de se tornar hereditária.

Conheço um rol de adultos com estatuto e bem na vida, respeitáveis homens e mulheres da classe financeira e até política que passaram os olhos pelos "Maias" e amargaram com "As viagens da minha terra" porque a tal foram obrigados. Em cada Verão passeiam os Paulos Coelho e as Margaridas Rebelo Pinto da moda conforme aderem às havaianas ou às madeixas platinadas. Mas tal como as roupas passam de época sem marcas de uso também os livros são arrumados na estante ainda por desflorar. ou folhear, tanto faz.

Tem nada a ver mas o meu Jorginho também não gosta de ler. Diz que gostava de gostar mas as letras fogem dele como se tivessem medo. Ele acha que as letras, as palavras e até as vírgulas já descobriram que ele não é flor que se cheire e não querem confianças com malvadezas e máscriações. Antes, quando tinha óculos de ver parece até os pontos de exclamação gostavam dele e nem ia tantas vezes de castigo nem para o atendimento, não fugia da escola nem dava mergulhos de pés nas poças da chuva. Quando voltava para casa, lia os horários das paragens de autocarro, a ementa do Café do Gaveto, a "Dica" da semana e os cartazes todos dos concertos do Tó Semedo, do Juka e até de gajos estrangeiros que tem que se pagar para lá ir abanar a carola. Depois os óculos partiram-se e estavam guardados na gaveta porque nas férias não se usam óculos de ver porque não fazem falta nenhuma e as miúdas nem gostam de putos caixa de óculos.

Na semana passada, a sogra da madrasta da mãe do Jorginho deu-lhe uns óculos que já não lhe serviam mas que a ele ainda estão de crescer. Já foram a apertar ao oculista mas continuam com um problema. Estão impecáveis, como novos, têm os vidros inteirinhos e transparentes tal e qual quando as janelas lá de casa acabam de ser limpas com "Ajax", mas as letras continuam a fugir para todos os lados e às vezes parece até ficam nubladas como se as lentes tivessem embaciado.

Numa tarde destas, lado a lado, porque aos 12 anos já não se tem idade para andar de mão dada, passeámos por aí e pedimos aos amigos e conhecidos com óculos que nos deixassem experimentar os seus gafarros para ver se nos assentavam bem. Uns ficavam, outros nem por isso mas o bom da coisa foi o Jorginho ter descoberto por si próprio que as letras não têm nada contra ele, os vidros dos óculos é que mesmo limpinhos e brilhantes não são iguais uns aos outros. Truques!!!

sexta-feira, 6 de março de 2009

até amanhã

Sabes aqueles fios que seguram o pescoço? Doem bué. Acho os pés não aqueciam nem Agosto chegasse . As mãos esfregam-se e apertam-se qual jogo de paixão e os pés vão calcando a calçada, sem ritmo nem destino. Fôra um grão de areia e voaria por aí, de duna em duna, chegando e partindo ao sabor da brisa, livre, sem raízes nem prisões. O sossego da noite, o aconchego da botija de água quente e palavras e sonhos murmurados ao acaso trazem amanhãs melhores, eu sei. Mas o melhor de tudo foram aqueles abraços, tão de fugida mas tão lá do fundo. Amizade sabi.

quarta-feira, 4 de março de 2009

quando fôr grande quero ser tudo!



hoje queria muito que o dia tivesse sido menos pesado, mais colorido e sem tanto aperto no coração. nem são pedro ajudou. temperou desgosto e tristeza com granizo e vento forte. se calhar não é bem santo, está ainda em formação, como a personalidade dos miúdos e aquelas leis que lhes definem os destinos, às vezes tarde de mais.
 
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